terça-feira, setembro 26, 2006

O caráter totalizante da instituição escolar

Fábio Carlos de M. da Fonseca *

“Se a educação é determinada fora do poder de controle comunitário dos seus praticantes, educandos e educadores diretos, por que participar dela, da educação que existe no sistema escolar criado e controlado por um sistema político dominante?”
Carlos Rodrigues Brandão

I – introdução

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro dispõe de uma unidade especializada na formação de professores. Teoricamente, a realidade e as condições da educação, nos seus diversos níveis, deveriam ser pontos de pauta obrigatórios nos currículos dos cursos oferecidos pela instituição. Entregar-se a tarefa de educador exige bastante coragem e comprometimento, tendo em vista o quadro lastimável em que se encontra Educação.

No curso da graduação, é bastante comum que os alunos do curso de graduação para o magistério se deparem com estudos, análises e teorias oriundas das mais diversas áreas do saber; todos ligados ao campo da educação. O que há de verdadeiro e o que há de falso neste entreposto? Essa é uma pergunta que necessita de uma resposta urgente e desmistificadora. Uma resposta que seja capaz de por em xeque algumas teorias de caráter platônico que alguns insistem em reproduzir, mesmo que a práxis os desminta.

A Educação é ciência relacionada aos homens. Os homens são, na sua essência, políticos. Logo, a educação é uma questão política. A escola é a manifestação concreta da educação. Um fato que não deve ser desconsiderado é a incapacidade da escola em atender a todas as crianças do mundo. Mesmo sendo este o (pseudo) projeto ideológico dela. Tal apontamento só nos leva a crer na sua hipocrisia. Ou será que ela nasceu pra isso mesmo?
_______
* Graduado pela Faculdade de Formação de Professores – UERJ e pós-graduando em Língua Portuguesa (lato-Sensu) pela mesma instituição.

II – da origem e das motivações do sistema escolar

A educação dos homens nem sempre foi concebida dentro da escola. Nem tampouco possuía o caráter dos dias atuais. Na antiguidade clássica, a aquisição do conhecimento era privilégio para as famílias nobres. O mestre-filósofo era responsável pela educação de mais ou menos cinco discípulos e ministrava aulas sobre aritmética, filosofia, política e artes. O surgimento da Igreja Católica deu início a um novo tratamento dado ao conhecimento. Sua transmissão passou a ser encarada de maneira mais sistemática e pedagógica. A formação intelectual dos clérigos era extremamente regulada e orientada. Não à toa muitos membros da Igreja receberam destaque nas mais diversas áreas do conhecimento.

A Igreja passou a enxergar a educação como uma verdadeira ferramenta a seu serviço, pois poderia lhe permitir a disseminação de seus dogmas mais profundos. A educação religiosa, nesse sentido, foi a gênese de um modelo institucional que vigora até hoje. A apropriação do conhecimento de maneira unilateral permitiu a hegemonia do pensamento católico-cristão durante boa parte da história da humanidade. Isto significa dizer que o aparelho educacional da Igreja era veiculador dos seus interesses e estava em acordo com seu projeto ideológico. Como a Igreja era o 1º Estado, já podemos antecipar que o sistema escolar surgiu para atender ao Estado, e tão somente a ele.

O fim da idade média, o enfraquecimento da instituição religiosa, o surgimento da burguesia e do mundo moderno impuseram à educação uma outra dinâmica. Em primeiro momento, a preocupação maior da burguesia era apenas com a educação de si mesma. O mega empreendimento da industrialização demandava braços e não mentes. Desta forma, o projeto escolar ficou abandonado em primeiro instante. Mas a onda de racionalidade européia motivada pelo movimento iluminista trouxe a reboque a discussão sobre o sistema educacional. Nomes como Diderot, D’Alambert, Voltaire, Montesquieu e Rousseau entoaram seus discursos contra a fé, defendendo a crença mediante análise racional e desferiram contra a Educação Jesuítica.

No Brasil colonial, era esta a educação promovida. Uma educação não laica e profundamente vinculada ao projeto catequista da igreja católica. Recorrendo ao intelectual Nelson Werneck Sodré, podemos constatar que aqui, o encontro entre a escola e o Estado se deu a partir de Marques de Pombal, pois “a reforma pombalina, se careceu de méritos e assinalou sua ineficiência no descalabro do ensino, na segunda metade do século XVIII, teve um traço significativo: representou o ingresso do Estado na solução do problema; se a estrutura anterior fora trabalho praticamente monopolizado pela Companhia de Jesus, a nova estrutura será mista, pertencendo um pouco à área privada, com outras Ordens nela concorrendo, e um pouco à área pública” (SODRÉ, 1983: 28).

No entanto, a aquisição do conhecimento continuou a ser um privilégio das classes dominantes, até porque à força produtiva não era necessária educação. A sua massificação se deu no início do século XX. Segundo Magda Soares, “a escola pública não é, como erroneamente se pretende que seja, uma doação do Estado ao povo; ao contrário, ela é uma progressiva e lenta conquista das camadas populares, em sua luta pela democratização do saber, através da democratização da escola” (SOARES, 1999: 9). De fato, não se tratou de uma doação, mas também não foi fruto de pressão popular. Foi, antes, a necessidade de um país que se aventurava no processo de industrialização tardia, e assim o Estado precisava ‘educar’ – leia-se aí profissionalizar – sua classe trabalhadora. Isto significa perceber que se tratou de uma imposição do Estado e uma necessidade do Capital.

III – desmistificando a escola

“A escola produz os súditos de um mundo no qual a tecnologia é rei”
Everett Reimer

É de extrema importância percebermos que tipo de relação o homem estabelece com o sistema educacional. Quase que a totalidade das pessoas consideram a instituição escolar indispensável em suas vidas. O óbvio é sempre estúpido e toda unanimidade burra, mas no que diz respeito à escola, estes ditados parecem impertinentes. Será? De acordo com Everett Reimer, a educação promovida pela escola se constitui num dos pilares mais importantes da vida moderna. Seria impossível imaginarmos a lógica e a dinâmica geral da sociedade se não fosse o poder desta instituição. “O sistema escolar tornou-se, assustadoramente, em menos de um século, o principal mecanismo de distribuição de valores de toda espécie entre os povos do mundo...” (REIMER, 1983: 38).

Nesse sentido a escola foi se transformando em uma instituição totalizante, cujo papel na organização da vida humana se fez fundamental. Mesmo com todas as suas contradições, o sistema capitalista prevê uma divisão sistemática em etapas da vida do homem. Em ordem decrescente, na velhice nos ocupamos da aposentadoria, na fase adulta do trabalho e na infância e adolescência da escola. É justamente na fase de formação de nossa personalidade que somos submetidos aos conceitos de organização, aos ditames culturais e ao modus operandi da escola. Ela tão bem condiciona as mentes dos homens que o discurso do senso comum em sua defesa beira a naturalidade.

Ainda para Nelson W. Sodré, “em todos os tempos e em todos os lugares, com o desenvolvimento das sociedades complexas, como as do capitalismo, demandam complexos aparelhos de ensino (...), tais aparelhos e estruturas são, no todo ou em parte, peças do aparelho de Estado; transmitem, assim, a cultura oficial, aquela que obedece à característica social de que a cultura dominante é a cultura das classes dominantes” (SODRÉ, 1983: 122). E por pertencer ao Estado e estar ao seu serviço, acaba se transformando no principal porta-voz de sua ideologia, atuando como meio de coerção. A educação pregada pela escola, por exemplo, remonta, de uma maneira geral, a sociedade tecnocrata. Ao se tornar escravo da tecnologia, como assim a escola o quer, o homem deposita seu projeto (esperança) de transformação pessoal naquilo que historicamente serviu à dominação.

III – a escola reproduz a sociedade ou a sociedade reproduz a escola?

A resposta para tal pergunta seria longa, mas neste pequeno artigo atentamos para alguns dados comparativos que visam comprovar o vínculo estreito entre projeto educacional e projeto de sociedade. Até que ponto, de maneira concreta, estas duas instituições estabelecem uma relação indivisível? A fragmentação social se reflete na escola, e por ser um fato é incontestável. Mas ainda assim, somos tornados escravos do sistema educacional escolar. Eis aqui três comparações cabais e que podem revelar o caráter tácito da escola.

· Realidade das salas de aula X realidade do mercado – enquanto massas de trabalhadores se acotovelam nas portas das agências de trabalho, nas fileiras das salas de aula, a escola tenta impor aos seus alunos a lógica da competição, a necessidade de sobrepor, quantitativamente, o colega ao lado. Nas universidades, a escassez de bolsas gera uma disputa calcada nos coeficientes de rendimento, na maioria das vezes obtido sem que o aluno vivencie seu objeto de estudo, apenas qualificando-se pela nota. Assim como não há vagas suficientes para as massas de desempregados, não há bolsas capazes de suprir as necessidades acadêmicas dos universitários. E tão bem a escola condiciona seus alunos que a lógica do determinismo social se transforma em ago banalizado e aceito. Embora prometa inclusão, a estrutura escolar só faz excluir ainda mais.

· Grau de instrução X condições de oportunidade – as posições na sociedade ocupadas pelos pais dos alunos constituir-se-ão, a priori, enquanto um fator preponderante para a definição dos vencedores e perdedores dentro do sistema escolar. Não há igualdade de oportunidades, se mesmo o tratamento é diferenciado. Desta forma, o afunilamento vai se perpetuando e conservando a mesma classe no poder. Na visão de Reimer, “na idade escolar, ninguém está irremediavelmente perdido; mas assim que termina o jardim de infância, notas e registros de QI são anotados, e a partir de então a porta estará quase completamente fechada àqueles cujas notas e registros foram baixos demais” (REIMER, 1983: 62).

· Exclusão educacional X exclusão social – a primeira acaba se tornando dispositivo ou condição para a segunda, pois “a exclusão educacional marca o indivíduo socialmente excluído em outras formas de exclusão social. (...) a moderna teoria econômica aceita que a educação da força de trabalho é um dos determinantes mais importantes da renda e do padrão de vida atingido pela população, bem como as taxas de crescimento econômico” (BRACHO, 2001: 120). Mas até mesmo aqueles que conseguiram superar as etapas da escola não tem seu pretenso sucesso garantido. Qualquer estudo estatístico pode comprovar que um grande número de trabalhadores perfeitamente instruídos para o mercado está fora dele.


A escola se coloca, portanto, como uma instituição hierarquizada que visa estender sua institucionalização à infância e à adolescência. A definição de tais fatores reside na observação simples da realidade cotidiana das salas de aula: estratificação em níveis, classes, todos baseados na divisão etária, desconsiderando totalmente o processo cognitivo. Procedendo assim, a escola universaliza toda uma etapa da vida do homem. Definitivamente, a escola não é um espaço de igualdade, antes, reproduz a latente divisão existente na sociedade, a qual presta seus serviços.

IV – a realidade educacional desnuda

Tentando estabelecer o contraponto com a lógica academicista, o artigo decidiu relacionar as idéias aqui expostas e as realidades conhecidas; os dados empíricos que dizem respeito à educação no estado fluminense. Até que ponto as idéias dos teóricos ‘otimistas’ da educação podem ser entendidas como possibilidades concretas? Esta pergunta é sintomática e abre espaço para a desconstrução de uma formação utópica a que são submetidos os alunos das faculdades de formação de professores Brasil afora.

No Rio de Janeiro, a realidade educacional põe por terra todas as teorias que pregam a escola como a redentora da sociedade. Melhor seria se analisássemos a educação como algo fragmentado, que tem sua expressão baseada nas suas distintas conjunturas. A questão de classe deve ser excluída do debate? Se for o caso, é puramente pretensioso. Como bem aponta o Reimer, a escola não é uma necessidade da população, mas uma imposição do Estado, tendo em vista a enorme coerção ideológica a que são condicionados seus agentes (pacientes).

Em São Gonçalo, o descaso com relação à educação é explícito. 15 creches públicas já fecharam suas portas pela falta de repasse financeiro. Há anos a administração pública tem desrespeitado a LDB que prevê que as Secretarias Municipais de Educação assumam a responsabilidade sobre as creches comunitárias. No município do Rio, a Escola Municipal Levy Neves agoniza com a superlotação de alunos. Por determinação da prefeitura, o número de turmas foi reduzido pela metade, obrigando os alunos a se espremerem num espaço minúsculo.

Como podem ser discutidas teorias educacionais na universidade se nem mesmo a realidade concreta nos permite realizá-las. Seria medo de assumir os fatos? Talvez, Reimer esteja certo. A escola não é um espaço de igualdade. Antes, reproduz a latente divisão existente na sociedade, a qual presta seus serviços. Analisando a escola brasileira, bem como os projetos para ‘democratização’ do ensino, percebemos diversas incoerências que vão desde os objetivos aos fins. Recentemente, uma proposta de implementação de política de cotas para negros nas universidades caiu como uma bomba sobre o colo da elite, que viu a possibilidade de perder uma fatia gorda de suas vagas socialmente reservadas.

A solução seria a melhoria do ensino básico? Tudo bem. Vamos relembrar as políticas públicas para a redenção da escola. Que tal o Programa Nova Escola? O tempo e implacável e tem revelado o verdadeiro objetivo do programa. O Colégio Estadual Trasilbo Filgueiras, em Jardim Catarina (SG), na última avaliação da SEE recebeu conceito I (de I a V) pela falta de investimento, e verbas para melhoria de condições do espaço físico de escola. É esta realidade que norteia a formação acadêmica dos futuros professores?

Eis o caos que muitos dos formados em licenciatura irão enfrentar, e não o mundo dos livros ou dos belíssimos discursos que estamos acostumados a ouvir. Existe uma lacuna imensa entre a teoria e a prática que aumenta a passos largos. Uma postura crítica e desiludida a respeito da educação se faz necessária ao entendimento do quadro no qual se encontra a escola. A superação deste fato concreto necessita, obrigatoriamente, da superação do injurioso discurso acadêmico, capaz de tornar os fatos em simulacros, algumas vezes intransponíveis, pois se cristalizam no tempo e no espaço a partir de nossas práticas.

V – bibliografia

BRACHO, Teresa. Exclusão Educacional enquanto Dispositivo de Exclusão Social. In: OLIVEIRA, Maria Coleta (org). Demografia da Exclusão Social. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001.
REIMER, Everett. A escola está morta: alternativas em educação. Trad. Tony Thompsom. Rio de Janeiro, F. Alves, 1983.
SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1999.
SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese da História da Cultura Brasileira. São Paulo: Difel, 1983.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Com a ajuda de chico

para quem me faz bem...
O Homem estava num lado da rua. A Mulher no outro. Esperavam pelo ônibus a fim de seguirem suas viagens. Olharam-se. Ligaram-se. Os olhos mesmo à distância de duas extremidades tinham cumplicidade. O homem atravessou a rua e o caminho da mulher repentinamente apaixonado. Todos os seus vícios o Homem confessou a Mulher.

O amor é ter no outro o porto seguro de si? É se atirar do alto de um prédio e não cair, porque agora se tem asas?

A Mulher consterna. Nada nega. Confessa que já sabia de tudo que ele tinha dito a ela. Diz que o novo da situação está no olhar. Pede ao Homem sua compreensão. Estão agora os dois no ponto da Mulher. Talvez eles sigam agora aquele carinho.

Mergulham então no oceano profundo. Podem respirar em qualquer lugar porque o alimento de suas vidas não está no âmbito da materialidade. Ainda se olham enquanto dão braçadas e pernadas rumo ao que há de mais profundo no oceano. Estão absolutamente encharcados. Desligam o chuveiro. Vestem-se. Ainda se olham.

Naquela noite eles não se veriam. Mulher adoeceu. Homem compreendeu. Ela havia pedido compreensão. Era noite muito quente. Era noite de muita gente na rua. O calor em pleno inverno torna os ambientes fechados o verdadeiro inferno. Então Homem foi beber.

Sentou-se logo porque as pernas estavam bambas de sono. Assistia a um jogo de futebol e lembrou de chico. Você era a mais bonita das cabrochas dessa ‘sala’. Lembrou de Chico porque tinha lembrado da Mulher. O meu samba se marcava na cadência dos seus passos. Passos, aliás, dados pelo Homem ao sair do seu ponto. Mas estava satisfeito.

Mulher pensava fazer o doce predileto do Homem só para ele ficar em casa.

Homem comemorava no bar e Mulher não sabia lá o quê. Homem comemorava o sentimento que tinha por ela, cada lembrança mais um copo e a vontade de cantar seu afeto. Sentiu saudades do olhar. Não fica sentida, você já mudou minha vida.

No bar reinavam bafos de rivalidade, alentos de discórdia, entusiasmos de ciúmes. Tudo por conta de um esporte. Homem alheio a tudo. Projetando na retina dos próprios olhos o olhar raso da Mulher, seguro, sobriamente belo, harmônico ao traço da boca, singelo no contorno do sorriso benevolente.

A saudade que Homem tinha de Mulher o tornava um ser leve, absolutamente ameno, de comportamento sereno e tranqüilo. Mulher era morena dos olhos d’água, os seus olhos, do mar! Homem gostava do abraço estreito de Mulher. O Olhar de Mulher chamava o Homem de menino vadio, não queria ter seus convites recusados, queria Homem perdido nos braços dela. Homem rodara o mundo entre guerras e batalhas, retornando em busca da prenda dos carinhos de Mulher.

No final daquela noite, Homem nem mesmo dormiu, porque quando fechou seus olhos, o sonho não foi interrompido; começou no dia, no ponto, nos olhos e continuou no sono!