para flavinha, drica e nico
Era ainda a véspera quando Ele saiu de casa todo cheiroso da fogueirinha que havia acendido antes. Conservou-se nele a onda e também o mar quase inteiro porque não sabia mais como fazer a maré baixar. Seguiu pela rua de paralelepípedos traiçoeiros na busca quase épica de uma condução que lhe desse uma condição qualquer que fosse. Esbarrou na própria sombra que passou no olho à noite anterior quando não dormiu mas mesmo assim sonhou. Sentiu nas ventas o cheiro da fossa entupida e lembrou de que a descarga de sua casa estava em reparos e que toda sua merda boiava ainda fresca no vaso. Lembrou também que da bosta faz-se o adubo e que um dia do seu vaso sanitário poderia brotar a rosa branca da qual ele tanto gostava.
Desceu do ônibus em fila sem reclamar nem pensar no tempo que demorou em chegar sua vez. Tinha na cara um ar de foda-se mas no coração uma faixa dizendo eu estou é fodido. Preferiu andar de olhos abertos mas cegos pelas calçadas da infâmia de Niterói. Procurava um calço para os pés de outro sem notar seus próprios passos errantes. Cruzou com guardas que corriam com cara de poucos amigos atrás dos seus inimigos. Fugiu de medo que a dor da cacetada na tarde de fevereiro não lhe saiu da cabeça jamais. Enfiou-se num bar e pediu um traçado para ver se traçava melhor seu caminho. Sentiu vontade e pensou dar um dois ali mesmo mas os outros quatro que estavam no bar lhe dariam mais de mil porradas. Deduziu que a matemática era óbvia demais e preferiu sair à rua outra vez para contar a si mesmo que estava tudo bem e que já era hora de seguir.
Que calço porra nenhuma e Ele já estava bambo no bar da faculdade bebendo e esperando sozinho ao lado de tantas pessoas que pareciam pirus e vaginas gozando o prazer da identidade européia que muito idiota revogou ao longo dos tempos. Olhava a bola na tela e coçava as bolas no meio das pernas já meio sem saco de ter de esperar. Tentou lembrar dos próprios versos mas aconteceu o inverso pois foram os versos que lembraram dele assim de repente. Sentiu o choro embaçar a tela e embalou no tempo de espera. Eram 26 anos quem diria e Ele era uma quimera com sua cabeça de leão seu corpo de cabra e sua cauda de dragão. Engoliu a cerveja primeira em goles apressados que avançar é sempre uma fuga.
Me bateram no ombro e me disseram não desista mas eu caguei bonito e nem fiz questão de me limpar da história manchada de sangue coagulado da espera que me fez petrificar no tempo e reduzir-me a um só espaço e restringir passos e se despedaçar o paço majestoso onde um eu de mim morreu e um outro eu de mim nasceu em seu lugar e então a vida me foi servida em um prato que me transbordava pra fora de tudo aquilo que chamam lar que por sinal nunca tive a não ser um teto que me abrigasse a cabeça das águas de março que escorriam dos olhos em direção ao passado que se faz presente sempre e em futuro se travesti nos pensamentos e expectativas
O homem debruçado sobre o balcão na parte de dentro fez um comentário qualquer exigindo que Ele sacasse de seu coldre uma de suas mil e tantas máscaras e disparasse um sorriso de canto de boca de quem concorda sem nem mesmo saber com o quê. Pensou ter visto mais caras assim como aquelas que via no bar e sentiu vontade de mandar todo mundo se foder que de rotina já estava cheio. Tentou se lembrar dos nomes dos filmes mas sua memória reduzida e distraída emperrava na fraqueza de se recordar apenas dos últimos cinco minutos de acontecimento porque todo o resto Ele tinha recortado e colado bonitinho feito um álbum íntimo.
Enfim entraram no bar os amigos pelos quais ele esperava desde sempre e sorriu ao vê-los assim tão de pertinho. Trocaram beijos e abraços e se olharam e brindaram nem sentaram que em pé mesmo adiantava a saída daquele lugar. Em princípio as banalidades foram imperiosas como quando contou que mais cedo comeu pão duro molhado no café frio lendo Lavoura Arcaica e que amanhã seria seu aniversário e todos riram e disseram eba vai ficar velhinho emendando na história da prova aplicada horas atrás pelo coroa bonitão que dá aulas e joga charmes junto do conteúdo.
velho sim
não nego
que às vezes
sou cego
me entrego
ao meu ego
ou superego
ou alterego
ou como um bonequinho lego
me envergo
todo
bambu torto
feito prego
Refeito do trauma Ele seguiu os amigos em séqüito na direção de um prédio quieto e disperso de tudo onde se dispersasse a fumaça da fogueirinha que acenderiam para passar o frio de seus ânimos. As personas de Rui animaram o ambiente ou melhor construíram-se num palco livre que é viver e se exibindo foram remontando as peças de um quebra-cabeças gigante. A fogueira era eficiente e toda a cena lhes foi nítida como suas próprias imagens refletidas nas chamas e acessos de calor. Atrás de cada um havia várias sombras lhes servindo de manta e acima Dele que até agora não tem nome e isso pouco importa estava a lembrança da menina branca de neve de Gullar.
Em segundos segundo manda o manual estavam no quase avião que sobrevoava no automático de uma ponta a outra a baía. Ele pegou na mão de Soninha para lembrar que era querido e amado assim de verdade enquanto sorria e se divertia à véspera de quando nasceu. Ele então pensou no seu um quarto de vida e que dentro de um quarto de sonos deixou guardado dois terços de seus problemas e foi sair naquela terça-feira de julho atrás de algum sonho.
Na pressa do trânsito que sempre emperra seguiram a reta adiante num caminho distante. E longe no fim de tudo se via uma luz que sempre se renovava e teleguiava os pensamentos num só tempo de tantos movimentos. Era uma composição composta de olhares distantes e de bocas cheias de doces açucarados. Soninha e Rui estavam afastados e Ele segurava um livro entre as mãos e o guardaria depois entre as lembranças. Era noite bonita de lua e estrelas como em poemas ou contos ou no cinema.
Cenário: O céu, a lua e as estrelas
Homem: Veja como brilham!
Mulher: Sou cega!
Homem: Ouça como falam!
Mulher: Sou desatenta!
Cenário: A lua
Homem: Aqui estou!
Cenário: As estrelas
Mulher: ... são tantas...
Cenário: O céu
Lua: Veja como são fracos!
Estrelas: Que seja! A inocência está perdida!
O trem-de-ferro seguia pela linha férrea da vida Dele de volta ao passado e parou na estação daquele dia quando levou um soco bem no meio da cara só porque discordou sobre quem era o melhor de uma partida de futebol. O barulho que faziam as rodas do trem-de-ferro quando passavam sobre os trilhos o fez lembrar do zunir nos seus ouvidos depois da porrada em cheio do seu pai. Rui e Soninha riam abertamente em off da cena e Ele sentiu nojo de ser daquele jeito assim tão triste que feliz ou quase isso talvez fosse bem melhor até porque um dia foi e gostou muito de ser mas foi só um estado que não se manteve por muito tempo mesmo assim Ele queria aquela coisa efêmera e fundamental que chamam felicidade.
Rui e Soninha à frente Dele falando gesticulando rindo gritando dizendo desamarra essa cara porra fica bem caralho e tentando distraí-lo imitando quem desse na telha ou sendo uma coisa distinta de cada vez que a vida é mesmo pura representação. O banco era desconfortável pois Ele sentia dores na coluna desde o rabinho até o pescoço que estava quase endurecendo de tanto mal jeito que Ele tinha de sempre querer viver olhando para trás.
chegaram...
falaram...
andaram...
falaram andando...
pararam falando...
subiram bufando...
olharam os lados...
esqueceram algum...
esquecendo lembraram...
lembraram de olhar...
perguntaram...
foram andando...
debaixo dos panos falando e andando e chegando...
erraram nos planos...
chegaram acabando...
mas acabaram chegando pelo menos...
Ele agora sorria mais que o normal se bem que no caso dele rir pode ser algo anormal. Rui e Soninha beijavam e abraçavam pessoas sorridentes e alegres cheias de dentes e carinhos mas isso dispensa comentário. Era um lugar muito bonito e singular mas os filmes já haviam por lá passado e iriam aportar em outro lugar que o discurso nunca falha. Ele foi cumprimentado e até felicitado pelos anos que iria completar algumas horas depois.
Sujeito meio calado mais ouviu os papos e distribuiu sorrisos pros lados e assim Ele pensou que seria anônimo naquele lugar. Sacou da bolsa mais graveto e fogo para que uma nova fogueirinha animasse os ânimos dele e dos amigos mais uma vez pois não se pode perder a prática das coisas. Uns sentados outros de pé todos falavam incessantes um assunto atrás do outro recheados de tosse e algo mais provocado pela fumaça da fogueira que inha não era mais. Eram tantos nomes em tantos rostos que não há quem possa se recordar de todos assim do jeito que aconteceu mas de um jeito particular de ver e enxergar e perceber que tudo é percepção.
Pique:
Um dos tês quato cincu sez sete oitu nove dez-i-onze doze teze catoze .... vin... trin-trintedô... cem! Lá vou eu!
Alguém: Parti em busca do cativeiro e o calo da ponta do meu pé que ficou de fora do esconderijo revelou uma história inteira da minha vida...
Algum: O fio de cabelo conduziu muitos passos atrás no tempo e toda dor e todo sofrimento em que nem mais penso...
Ninguém: Esses tijolos uns sobre os outros estagnados num mesmo lugar inertes e entregues à ação do tempo erosivo que leva ao fim e não à transformação...
Nenhum: A moça branca de neve e seu andar de graça sem me cobrar nada em troca apenas ser do jeito que eu quiser...
Tudo acabado naquele lugar e outro à espera daquela galera que nunca se entrega e Ele gostando de ali estar. Atravessaram a rua com o peito mais estufado e mais amoroso guiados pelos passos de passeio de quem vagueia olhando para areia sem se preocupar com o mar. Nem se deu conta mas naquele instante o ventre já era passado e Ele veio à luz um cara daquele tamanho de muitos anos que útero nenhum pôde suportar até então.
Fim de noite em Nova Iguaçu baixada fluminense ver filmes que não viram mas assim mesmo se viram e foram vistos e ouvidos e o mais que seja que não se deve ficar teorizando muito a vida pois filosofia é dispensável ao viver. Na Kombi Ele sorria e cantarolava por dentro pensando na menina branca de neve que estava do seu lado. Rui e Soninha e Ele e a menina branca de neve do Gullar. Nos fundos de uma residência onde residia o vazio dos cômodos. Ouviram vou-me embora vou-me embora eu aqui volto mais não vou morar no infinito e virar constelação.
Ele deitou
...
, , ,
... ... ...
, ..., ..., ...,
...,...,...
,.,.,.,.,.,.,
..,. ,.. ,., .,.
Ela também
No final do dia que passou voando feito coisa qualquer que voa havia uma mancha acima da estação de trem que mais parecia um manto cobrindo a cama onde o sol que àquela altura já bocejava iria se deitar. E nessa hora Ele se despediu de todos e partiu com todos dentro dele no dia de seu aniversário depois que ganhou beijo da menina branca de neve e saiu sorrindo a caminho... assim foi o filme.
(julho de 2006)
Um comentário:
Seu fdpppp
Porra publica minha poesia aqui brother ou então leva segunda pra eu colocar no orkut e digitar ou então faz melhor manda pra erick.cormack@gmail.com
valeu abraço e esse conto ficou fod....a
=)
ERICK Cormack- 3º
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