segunda-feira, maio 29, 2006

Aula de português ou A sintaxe do coração

Este texto eu dedico a quem eu nunca pude dedicar publicamente, apenas contava com o anonimato e assim permanecerá! Absurda contradição!


Lancei-me para fora de mim

Nada nele negava seu estado de desconforto. Mãos, braços, tronco, cabeças, coração denunciavam as idéias em baralho. Iniciou com o seguinte desejo:

“Eu quero a classificação sintática do enunciado Vivo a espera”

Já foi meio estranho, pois fugiu muito da sua postura como Professor. Mas enfim.

O silêncio aplainou-se como quis. E a irritação do corpo tinha então sua vez. O Professor coçava o coro cabeludo meio atônito. Enfiava e desenfiava as mãos dentro dos bolsos. Lia papéis em lances de olhar.

“Alguém pode responder?”

E nada. Alguns cochichos se iniciaram. E logo estava um barulho insuportável aos ouvidos sensíveis de qualquer um.

“Silêncio, porra!”

Não que os ouvidos do Professor fossem sensíveis. Mas neste dia, ele mesmo estava terrivelmente sensível.

As bocas se calaram. O Professor pode então organizar o seu pensamento.

“Pensem comigo, ou por si mesmos...”

Aquela pausa renitente em seus discursos.

“Conheço uma mulher. Ela diz que me ama. Eu aceito de bom grado esse amor. Amo também. Nos amamos. Tantos amos desse amor. Muitos amos de um amor só. Amo um amor só. Só amamos um amor sem amos. É o amor!”

A turma inteira em parafusos. E a irritação do professor era verborrágica.

“Mas o amor se vai. Vai envaidecido de si mesmo. Vai apodrecido pela não. Vai aquecido de saudade. Numa via sem mão vai. Quem te via domingo se vai. Foi. Já se foi e nem presente existe mais. Nunca mais vai. Mas sempre se terá ido!”

...

“Eu quero a classificação sintática de Vivo a espera”

...

Não demorou muito e se ouviu a primeira manifestação.

“Você está maluco, Professor?”

Risadas foram arrancadas dos outros alunos. Mas uma porrada com o apagador no quadro-negro pôs fim à festa.

“Sim, meu amigo. Sim! Loucura é o nome exato. Aliás, me chamem de louco daqui a diante. Sou o tão insano quanto acharem que sou. Loucura nem é pecado. O paraíso é dos parvos”

Irritação. Aquele era um dia difícil na vida dele. E os alunos nem mesmo sabiam análise sintática. Muita coisa tinha de ser explicada. Talvez a sintaxe da vida.

“Que devo fazer pelo amor que se foi? Vivo a espera? Ou vivo a espera? Esperar enquanto vivo? Ou viver enquanto espero? Qual é a classificação sintática? Espero a resposta enquanto vivo? Ou vivo sem resposta enquanto espero? Eu quero!”

Irritação? Talvez mais que isso.

“Já sei Professor, já sei”
“Então me diga quem vai me dar a classificação sintática de Vivo a espera”
“É uma menina da série inferior que dizem que é muito inteligente”

Voltei para dentro de mim

Vivo a espera.
Vivo – núcleo do predicado verbal; a espera – objeto direto de vivo; objetivo.
Sujeitos ocultos.
Vivo a espera.
Vivo – núcleo do predicado verbal; a espera – adjunto adverbial de vivo; maneira.
Estados emotivos da alma: ora gozo, ora choro.

Conclusão lógica da análise sintática: vivo a espera!

sábado, maio 27, 2006

o que você procura aqui se encontra ao fim destas muitas outras palavras

Retornei na companhia de Pessoa
cruzávamos uma perigosa via
todo meu ser mergulhado na inquietude da imobilidade do corpo
no entorno o vazio absoluto do silêncio
as dores em festa
dançantes
provocantes
pululantes
... irritantes instantes
os olhos se recusam a fechar
meus sapatos, gastos
minha calça, rasgada
minha blusa, manchada
bem no meio do peito
bem no início de mim
minha alma, abstrata!
o fino barbante que me sustentava se partiu
mas as lágrimas estavam contidas
minha doce tentação
o risco iminente da venenosa viagem venosa
algumas palavras
o não sentir
lembro da boca
do hálito
do beijo
não mais que lembrança
é tão distante
nosso prazer
o acre sabor da perda
a nostalgia da glória
emaranhado de pensamentos atemporais
uma abismal sensação de perda
e Pessoa, a minha companhia
o dedo que toca na ferida
que cicatriza pela dor
relatei quanto pude
virei a página
e me dei de cara com o espelho negro da memória cheia de histórias

(A Tristeza que me dá ou Apenas um momento)

segunda-feira, maio 22, 2006

A vida em devaneio ou o amor é demais para a razão

Eram tantos os pássaros que rodopiavam no céu
Negros
Que meus olhos acompanhavam
Úmidos
Por entre o verde-musgo das árvores

Do alto desprendia-se uma lágrima
Solitária
A distância sempre me corrompe
Fraco
Já devo mais do que podia

Sou completamente exagerado
Gosto dos meus dedos lambuzados
Aguardando minha língua
Guardiã dos meus sabores

E estava cinza o céu acima de mim
Feio
Espaço ilimitado sem astros
Buraco
Vazio no horizonte do coração

Um rosto em tom avermelhado
Lindo
Rompeu o marasmo das nuvens
Densas
E uma ponta de luz se projetou

Não consigo interromper o choro
Falta-me sei lá o quê
Impossível represar os sentimentos
Sinto falta e choro

O vento revolve os nimbos
Pardacentos
No pedaço de papel a palavra
Única
A forma é o castigo da matéria

Domingos e domingos e domingos
Santos
A fuga de dois amores
Anjos
Encontro de olhos rutilantes

O beijo da partida chega cedo
Acelero entre carros e pessoas
Querendo voltar ao começo
Que ainda não aconteceu

Faz tempo, nem eu desconfiava,
Tento
Mas não consigo assim tão fácil
Durmo

Monto num cavalo-alado
Disparo
As nuvens são a meta desmedida
Universo

É que não sei o que vai ser
Que não me canso em te querer
Que faço tudo pra te ver
Que rodo o mundo pra te ter

E no fim tudo é metáfora
Hipérbole
Pessoas não passam de prosopopéia
Ironia

O amor é antítese em Camões
Fogo
E eu sou uma silepse da vida
Aparente discordância

Rasgo em prantos meu viver
Sempre espero por você
Tanta dor a se temer
Mais sentir do que viver

São poucos os pássaros
Que agora rodopiam no céu
Estão no chão em pedaços
Não são mais negros

Quero minha coroa
De espinhos
De lágrimas
De sangue
De saudade
De travessuras de menina
De detalhes
De poucos olhares
De muitos beijos
Quero já!

Perdoa, perdoa esse coração que pulsa
Esse amor que luta
Essa dor resoluta
Perdoa se te quero sempre mais!
Se for capaz
De me arrastar pra dentro de ti,
Lá ficarei!

Dentro da noite veloz, só o amor pode fazer o tempo parar! O céu já se transformou a essa altura das minhas palavras! Quero mais que posso, posso mais que imagino, e imagino que amo! Poema, menina! Poema!

sexta-feira, maio 19, 2006

Poema de amor

Que bom seria se eu nem precisasse abrir minha boca
E tu percebesses nos meus olhos distantes a tua proximidade,
Se pudesses notar minha angústia.
Meu sorriso abobado. Sim!
Abobado, sim!
Expressão da minha serenidade.

Poderão os homens todos do mundo zombar de mim,
Mas sentir meus prazeres, nunca.
Poderão ser indiferentes,
Que o mundo inteiro o seja,
Porque não sou.
Que bom seria!

Queria acordar contigo do lado e pentear teus cabelos com o olhar,
Ver teu rosto mudar de feição a cada cena do teu sonho,
Imergir na intensidade do momento.
Abstrair-me da razão.
Porque se me faltam palavras,
Abundam em mim os sentimentos

E sabes disto... e sentes isto.
Que faço agora?
Não são todos estes símbolos palavras?
Não lhe apontam o caminho do que sinto por ti?
Não dizem todas elas juntas que te amo?

Que bom!

Ter você como horizonte,
E mesmo diante das curvas da tortuosidade
Sorrir – gratuitamente.
Delicioso quando de dentro do rio escuro da minha mente
Tu saltas para dentro do meu barco!

Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta-menina
Nós escondidos
Nas sombras da esquina
Vivendo essa palavra pequenina!

Amor!

quarta-feira, maio 17, 2006

Relato de um novo amor

Escritora Inglesa
vou com ela Rumo ao Farol
não é uma merda não
a solidão é um exercício
já vi gente demais na vida
além do mais...

Quando se diz que palavras representam a realidade
quer dizer que elas não o são
mas uma aparência
não uma essência
a palavra pode criar um mundo que não existe
e fazer dele real
subverter o que há

Quando te vi, caminhando, leve sobre os dedos,
um anjo desses que vendem em camelôs
disse:
“Deixa, Fábio, ela ser menina”
eu te vendo passar, agitada, alegre
é bonito ficar te olhando

Muita vontade de olhar para ti
teu rosto ainda é uma incógnita
só vejo de longe
e na estaticidade e marasmo das fotos

Pode ser que a gente nem sinta atração um pelo outro
pode ser que o cheiro não agrade
pode ser que tudo dê errado

Mas no fundo no fundo, independente da ruína de qualquer castelo...
quero viver isso!
ou melhor, estou vivendo!
e não há o menor sinal do sopro
e nenhuma nuvem se encaminha com a gota torrente

Eu fico te olhando
nas poucas vezes que te vejo
com precisão
e vou fazendo um desenho do teu rosto
com o meu olhar
que vai mandando para memória
seu retrato
de frente
de lado
do meu lado
sem forma
e nunca fica do jeito que é
sempre há uma mudança
quando consulto
o álbum da minha lembrança
mas você está sempre lá
isso é engraçado
porque faz bem recordar
você que é linda!

Passei em frente a tua casa ontem à noite
quase joguei uma pedra na vidraça
mas temi errar o quarto
então passei
nem quebrei
nem chamei
só pensei
e foi bom
isso só pode ser amor!

domingo, maio 07, 2006

Anatomia literária do Homem

Os homens e seus carros
e seus rastros
e seus mastros
tombados, quebrados

Os homens e seus instantes
e seus semblantes
tão replicantes
Estanques, distantes

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e suas bebidas
E suas feridas
Pessoas perdidas
Moribundos, sem vida

Os homens e seus carnavais
E seus arraiais
Cegos demais
Ninguém é capaz

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e suas medidas
Atitudes fingidas
Vontades iludidas
Escolhas ruídas

Os homens e suas carícias
Tão caras delícias
Cheias de malícias
Razões fictícias

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e o seu dinheiro
Seu bote ligeiro
Nenhum companheiro
Sozinho, solteiro

Os homens e seus amores
Campo vasto de flores
Que se desmancha em dores
Emoções tão incolores

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e suas picuinhas
Feito galos em rinhas
Por alegações tão mesquinhas
Tão inhas

Os homens e seus destinos
Seus olhos de meninos
Desejos pequeninos
Assim tão libertinos

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e suas crenças
Tão pouco intensas
Só mais pretensas
De ofensas, sentenças

Os homens e suas críticas

Opiniões fatídicas

Os homens e seus negócios

E seus imbróglios

Os homens e seus bens

De que são reféns

Que merda os homens
Que homens tão homens

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Um homem assim tão manco
Assim tão bambo
Segue o balanço
E pega no tranco

Ou deixa o motor morrer de pranto