Este texto eu dedico a quem eu nunca pude dedicar publicamente, apenas contava com o anonimato e assim permanecerá! Absurda contradição!
Lancei-me para fora de mim
Nada nele negava seu estado de desconforto. Mãos, braços, tronco, cabeças, coração denunciavam as idéias em baralho. Iniciou com o seguinte desejo:
“Eu quero a classificação sintática do enunciado Vivo a espera”
Já foi meio estranho, pois fugiu muito da sua postura como Professor. Mas enfim.
O silêncio aplainou-se como quis. E a irritação do corpo tinha então sua vez. O Professor coçava o coro cabeludo meio atônito. Enfiava e desenfiava as mãos dentro dos bolsos. Lia papéis em lances de olhar.
“Alguém pode responder?”
E nada. Alguns cochichos se iniciaram. E logo estava um barulho insuportável aos ouvidos sensíveis de qualquer um.
“Silêncio, porra!”
Não que os ouvidos do Professor fossem sensíveis. Mas neste dia, ele mesmo estava terrivelmente sensível.
As bocas se calaram. O Professor pode então organizar o seu pensamento.
“Pensem comigo, ou por si mesmos...”
Aquela pausa renitente em seus discursos.
“Conheço uma mulher. Ela diz que me ama. Eu aceito de bom grado esse amor. Amo também. Nos amamos. Tantos amos desse amor. Muitos amos de um amor só. Amo um amor só. Só amamos um amor sem amos. É o amor!”
A turma inteira em parafusos. E a irritação do professor era verborrágica.
“Mas o amor se vai. Vai envaidecido de si mesmo. Vai apodrecido pela não. Vai aquecido de saudade. Numa via sem mão vai. Quem te via domingo se vai. Foi. Já se foi e nem presente existe mais. Nunca mais vai. Mas sempre se terá ido!”
...
“Eu quero a classificação sintática de Vivo a espera”
...
Não demorou muito e se ouviu a primeira manifestação.
“Você está maluco, Professor?”
Risadas foram arrancadas dos outros alunos. Mas uma porrada com o apagador no quadro-negro pôs fim à festa.
“Sim, meu amigo. Sim! Loucura é o nome exato. Aliás, me chamem de louco daqui a diante. Sou o tão insano quanto acharem que sou. Loucura nem é pecado. O paraíso é dos parvos”
Irritação. Aquele era um dia difícil na vida dele. E os alunos nem mesmo sabiam análise sintática. Muita coisa tinha de ser explicada. Talvez a sintaxe da vida.
“Que devo fazer pelo amor que se foi? Vivo a espera? Ou vivo a espera? Esperar enquanto vivo? Ou viver enquanto espero? Qual é a classificação sintática? Espero a resposta enquanto vivo? Ou vivo sem resposta enquanto espero? Eu quero!”
Irritação? Talvez mais que isso.
“Já sei Professor, já sei”
“Então me diga quem vai me dar a classificação sintática de Vivo a espera”
“É uma menina da série inferior que dizem que é muito inteligente”
Voltei para dentro de mim
Vivo a espera.
Vivo – núcleo do predicado verbal; a espera – objeto direto de vivo; objetivo.
Sujeitos ocultos.
Vivo a espera.
Vivo – núcleo do predicado verbal; a espera – adjunto adverbial de vivo; maneira.
Estados emotivos da alma: ora gozo, ora choro.
Conclusão lógica da análise sintática: vivo a espera!