quarta-feira, agosto 30, 2006

Muitos textos sobro muitas coisas

Levi Santos é aluno do 3ª ano do ensino médio, de pensamento e postura ideológica bastante peculiares. Figura difícil de estabelecer acordos, mas instigante exatamente por essa mesma característica. Seu texto é um embate com o mundo e consigo mesmo, que nos revela os conflitos mais singulares do homem, dividido entre sua aparente autonomia e a obediência à ordem.
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Erick Comarck também é aluno do 3º ano do ensino médio, músico e marcado por uma nostalgia dos sentimentos. Um otimista, assim se pode dizer, mas um otimismo racionalmente construído, como se pode perceber em seu texto, amarrado por relações gramaticais, fazendo do poema quase uma prosa. Se há verdade em suas palavras, não se pode saber, mas pelo menos sinceridade há.
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Renan França é aluno do 1º ano do ensino médio e dono de uma literatura madura e organizada, livre das mazelas e banalidades da vida. Autor de textos que nos fazem enxergar além da carapaça imunda dos homens, que nos fazem penetrar naquela parte obscura que às vezes tentamos negar que existe. Sua escrita causa espanto e repulsa, ao mesmo tempo que nos cospe na cara a constatação da nossa insignificância.
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Fábio Fonseca é professor desses três jovens poetas, e sobre ele nada se sabe além do que seus textos permitem falar.
Boa leitura!

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Teleguiado

Continue a contemplar a face lânguida de suas esperanças vazias
A tua idealização de perfeição
Continue a absorver as regalias de seu mundo fantasioso
Sim, sejam pego na armadilha

O mundo gira
O tempo passa
Impérios se levantam e caem
A esperança morre
E você aí, estático

Emoções sem sentido
É o que vejo no teu rosto
A consciência é desativada
Cai, se perde, desaparece
O que resta é a mentira, a prepotência
Falsa idéia de dominação

Por que conhecer limitações?
Por que lutar contra elas?
A trave no teu olho não te deixa ver
Nada além das respostas armadas dadas às perguntas que angustiam

Esquecer o primordial, se abstrair
Continue a contemplar a face lânguida de suas esperanças vazias
Catatônico
Talvez, do grande ponto luminoso a sua frente
Saia a solução para a sua vida adiada!

(Levi Santos)

Vida

É...
Eu prefiro assim
a vida mais feliz
mais alegre e sorridente
prefiro esquecer: momentos tristes,
lamuriantes,
dos que sofri,
que fiz sofrer
dos que virei marionete
nas mãos de uns
... chega!
Aprendi a viver a vida
numa boa
como um sonho
que nunca se acaba.
Sonhe! Brinque!
E sorria,
pois sem sorrisos
o que seria da vida?
Bem, não sei explicar,
mas dos sorrisos que presenciei
que vi-vivi
e os que pratiquei,
desses sim só retiro coisas boas.
Sentimentos verdadeiros
absolutos, claros e óbvios!
Afinal, a vida é assim
e é assim que tem de ser.
Vivemos só de alegrias?
Não sei,
mas desses momentos aposto
aposto que são prazerosos,
a clareza desses sentimentos:
alegria felicidade, saudade, gozo
entre outros, entre todos
que aspiramos o necessário,
para que possamos enfrentar
de peito aberto, rasgado,
os sentimentos mais tristes,
os que ferem e deixam marcas.
Assim termino
lembrando que:
viva a vida,
seus opostos que se completam!
Assim te inicio!

(Erick M. Comarck)

Cidade Maravilhosa

O turista chegou no Rio e viu filas...
‘’E essa fila para que serve?’’
O turista não desconfiou de nada
Era apenas a gincana do dia-dia...

‘’Cinco mil reais para quem comer uma barata...viva!’’

Quando o turista soube, ficou perplexo...
E cumprimentou um por um...
‘’Que gente espetacular... Faz fila para comer um bichinho nojento’’
E a fome virou sinônimo de coragem...

Naquela fila de cariocas corajosos,
Haviam subnutridos e sub-homens...
Mas você se engana quanto ao resto...
Não haviam somente pobres...também haviam bichos,
Como os pais desempregados e filhos sem ter o que comer...
E pessoas com fome de um dia inteiro...

E na placa se lê: Cortesia do Estado do Rio de Janeiro.

(Renan França)

A tragédia dos nossos esquecimentos ou Somos todos insensíveis

nasceu
nem cresceu
sentiu fome
não comeu
teve sede
não bebeu
pediu ajuda
ninguém deu
pegou num fuzil
depois morreu
pra nascer outro em seu lugar

(Fábio Fonseca)

segunda-feira, agosto 21, 2006

Quando a idéia se perde na profusão da vida ou Apenas um texto não escrito

para uma pessoa especial


Ontem tive uma idéia para um conto. Teimei deixá-lo para hoje. Rendi-me à preguiça e decidi esperar o outro dia. Se tivesse iniciado o texto logo, talvez seu primeiro parágrafo trouxesse imagens belas, reconfortantes, como quando sentimos saudades de tudo que nos é agradável. Quem sabe minhas palavras não dançassem pela pista branca e lisa da folha uma canção suave, tranqüila.

O personagem amaria a moça sobre todas as coisas. E desafiando até mesmo o mandamento maior do criador, sua amada moça o abraçaria na cintura – porque era mais baixa que ele – e o apertaria contra seu corpo, tentando se unir a ele no retorno à condição plena.

No conto que deixei de escrever ontem, os dois personagens estariam sentados numa sacada qualquer dessas que existem por aí. Não para apreciarem a paisagem à frente, e sim para se deixarem cair juntos, sentindo na barriga e no corpo inteiro o frio que é cair assim tão do alto. Continuariam em queda sempre sorrindo, sem que o medo lhes tirasse o prazer do momento.

Enquanto eu pensava naquele conto, na minha cabeça os dois iam sempre juntos (há quem chame isso de relação doentia) até que a tinta da minha esferográfica se extinguisse na minha imaginação; e mesmo sem carga alguma, eu rabiscaria o papel tentando fazer aparecer outra vez aquele casal feliz em alto-relevo. Eram lindos os dois bem juntinhos.

Em alguma parte do meu conto, eu falaria apenas dos olhos deles entrecruzando-se. Os corpos, sem ter escolha, se rendendo à profundeza daquelas duas almas se fundindo pelos olhos. E no fascínio do espelho mágico do ser, penetrariam um no outro sem pedir licenças, feito invasores e invadidos, como cúmplices dos mesmos riscos.

Talvez eu nem precisasse dizer, mas nesse conto que larguei de lado ontem, em um instante qualquer, e sem razões (que isso é incompatível ao ato), o casal se deitaria sobre um leito de sonhos, debaixo de inúmeros panos, curando-se dos danos (profanos), livrando-se de todos os desenganos, e ficariam assim, deitados sobre o leito (quem sabe? se eu deixei de escrever) por mil anos, ou por dois meses.

No final de uma dessas tantas tardes, ele a levaria no portão e a entregaria, guardada em seu beijo, a sua vontade de outra vez. Ela então compreenderia seus desejos, e com movimentos leves de língua recitaria um poema simples e singelo dizendo que sentia o mesmo.

Esse conto que deixei de escrever podia falar de muitas coisas, mas infelizmente o deixei de lado. Não quis escrever ontem, e agora, hoje, é um dia novo e o texto já não seria mais do jeito que eu quis. No meio do meu conto não haveria o meio, haveria ainda o todo que seriam ele e ela. Então eu me confundiria de tanto sentimento, e talvez quisesse voltar ao começo que foi o ontem, quando não escrevi o conto. E assim hoje, ainda confuso, talvez eu suspeitasse que restou apenas o fim.

sexta-feira, agosto 11, 2006

Infarto

para mim mesmo

São duas as minhas formas de inspiração: prender a respiração ou respirar profundamente. É nessa base aparentemente simples que se apóia minha produção literária. Os contornos dos meus contos, que escrevi poucos, dos poemas, que escrevi muitos, dos romances, que já vivi vários mas escrevi apenas alguns, os contornos de toda minha escrita seguem o caminho do ar preso e do ar adentro.

Enquanto espero, escrevo e depois rasgo, assim como na música, minhas melhores idéias. A sobra eu dedico aos leitores. São as projeções sobre amor, sobre amar, sobre ser amado ou ser amante, sobre o ser amado ou o ser amante. Os leitores adoram essas sobras minhas.

Quando o ar paira dentro de mim, e então prendo a respiração, me vejo dentro de um vácuo, flutuante na náusea, leve como uma pluma, como um papel de bala caindo do décimo quinto andar de Quando tudo acontece ao mesmo tempo, viajo desarmado e desamarrado de princípios ou empecilhos...


fui até a esquerda
direita olha-me na esquerda
me afasto retorno
não espero
coloco meus sapatos
esquerda ou direita?
dou-me um tiro no centro

respiro profundo e profuso esse ar de parafuso confuso e não-difuso me uso no uso do abuso ponto respiro o remédio contra o tédio e fico assim de intermédio ponto de novo dedilho meus trocadilhos maltrapilhos em estribilhos de milho ponto tá pronto meu conto tô tonto desmonto e monto no manto santo num recanto de enquanto ponto final

Meu coração parece que vai parar de bater na porta. Cansou de chamar e não ser atendido. Os dedos do meu coração estão esfolados de tanto socar a porta. É triste ver o desespero dele quando percebe que o lado de dentro não quer recebê-lo. Não resta mais esperança, ele não agüenta mais esperar, quem espera nunca alcança. Então, coração, descansa.

São essas as linhas e trilhas que baseiam meus dois poços de inspiração.

(agosto de 2006)

terça-feira, agosto 08, 2006

Conto in-contado ou Todo carnaval tem seu fim II

para aqueles que sentem medo
Nós nem mesmo tivemos uma conversa. Cada um deixou se desprender de si algumas palavras que nada significavam. Exemplo típico da incomunicabilidade. Eu sem saber o que dizer, ela sem ter idéia do que falar.

E de tudo, na minha cabeça, apenas dor e medo. Disso me recordo porque foi esse meu recorte. Da expectativa de uma noite dividindo meus prazeres com ela, sobrou apenas a expectativa mesmo.

Eu já estou em casa tentando em texto minha vida. Algo inútil, sei bem. Mas é essa minha vontade. Como se diante do vazio pudesse preenchê-lo com meus pensamentos e minhas projeções.

Ligo o computador. Quero escrever um conto. Meu vício de escritor me faz em princípio pensar em casos literários de medo e dor. Lembro logo do jovem comerciante, Georg Bendemann, do medo do casamento. Porém não é esse meu caso. Não quero casar. Penso então que meu medo é indefinível. Nem sei se o medo é meu ou dela; se é nosso.

E que tal a dor? Aquela sensação cortante que rasga por dentro. Que provoca a hemorragia interna dos sentimentos, que se misturam numa confusão de dúvidas, num emaranhado de fotografias velhas, em canções de nostalgia, em noites pouco, mas não mal, dormidas.

No entanto não paro de pensar e não começo a escrever. Meu cérebro e o do meu com-puta-dor são incompatíveis. Eu estou sofrendo da síndrome do papel branco, assim como Eugênio, ou Paul Gentleman, ou Jesus Kid, tanto faz.

Escrevo na tela:

Medo e dor

Era um imenso desafio para os dois. Uma parede foi erguida entre eles pelos seus passados. Jamais daria certo. Tinham ambos muito medo e muita dor, assim como muito medo de mais dor...

Apago.

Foi numa sexta-feira, num sobrado de uma rua fechada, num dia em que ainda não havia nem medo nem dor. Foi do abraço que veio o carinho, do carinho o afago, do afago o desejo, do desejo o beijo, do beijo o espanto, do espanto mais desejo, de tanto desejo veio o contato, do contato o desespero, do desespero a necessidade, desta o lisonjeio, do lisonjeio mais um abraço, e deste abraço, de corpo inteiro, o encontro e o deleite.

Onde há dor nisso?

Escrevo outra vez na tela:

Medo e dor?

Talvez devessem ter conversado mais um pouco. Quem sabe, se tivessem definido quais seriam as indefinições, tudo fosse diferente. Seria aquela a solução?...

Apago outra vez.

Até um conto eu já escrevi; bem mais fácil que este aqui. Do aniversário incomum, dos sentimentos incomuns. Essas exceções me arrebatam com tamanha facilidade. Agora a menina branca do meu conto é exatamente como a de Gullar, porque me leva no esquecimento.

Vou até a cozinha e quando pouso meu copo sobre a pia lembro dela, sentada ali onde estava o copo, molhada como o copo, cheia de vida como este copo que eu levo agora até minha boca sedenta, minha boca na boca do copo lá em cima da pia.

Faço uma nova tentativa:

Um medo, várias dores

Ele teve todas por muito pouco tempo, sempre. Com ela não era diferente; não nesse sentido, pelo menos. Mas o pouco se tornara na vontade do muito, e o medo do pouco que é muito lhes trouxe várias dores...

Essa tentativa eu desfaço me xingando.

Vou ao banheiro mijar. Estou apertado. Preciso liberar. Tenho um prazer indescritível. Meu corpo cambaleia. Perco as forças. As pernas estremecem. Caio sentado no chão. Continuo mijando. A parede está gelada. A superfície, quente e úmida. Ali nos conectamos no ontem e no meu mijo de criança daquele agora.

Tomo um banho; o sexo mental e bizarro foi completo.

Volto ao computador e escrevo novamente:

O medo de ter dor

Eles se falaram no final da tarde ao telefone, alô?; alô, como vai?; bem, e você?; bem também; silêncio; e o nosso passeio?; pois é, acho que não vai mais ter passeio; silêncio; ah é?; é, não vai mais; silêncio; eu te liguei; eu vi; interferência no sinal (silêncio involuntário); você tá diferente; silêncio; você tem alguma coisa pra me falar?; silêncio; você deve ter suas razões mas não precisa me dar; sei lá, acho que é medo; silêncio; medo do quê?; de alguém se machucar; silêncio; de você me machucar?; pode ser, ou de me machucar; silêncio; silêncio; fuga; silêncio; beijinho; beijo...

Desligo o telefone.
(agosto - 2006)