segunda-feira, agosto 21, 2006

Quando a idéia se perde na profusão da vida ou Apenas um texto não escrito

para uma pessoa especial


Ontem tive uma idéia para um conto. Teimei deixá-lo para hoje. Rendi-me à preguiça e decidi esperar o outro dia. Se tivesse iniciado o texto logo, talvez seu primeiro parágrafo trouxesse imagens belas, reconfortantes, como quando sentimos saudades de tudo que nos é agradável. Quem sabe minhas palavras não dançassem pela pista branca e lisa da folha uma canção suave, tranqüila.

O personagem amaria a moça sobre todas as coisas. E desafiando até mesmo o mandamento maior do criador, sua amada moça o abraçaria na cintura – porque era mais baixa que ele – e o apertaria contra seu corpo, tentando se unir a ele no retorno à condição plena.

No conto que deixei de escrever ontem, os dois personagens estariam sentados numa sacada qualquer dessas que existem por aí. Não para apreciarem a paisagem à frente, e sim para se deixarem cair juntos, sentindo na barriga e no corpo inteiro o frio que é cair assim tão do alto. Continuariam em queda sempre sorrindo, sem que o medo lhes tirasse o prazer do momento.

Enquanto eu pensava naquele conto, na minha cabeça os dois iam sempre juntos (há quem chame isso de relação doentia) até que a tinta da minha esferográfica se extinguisse na minha imaginação; e mesmo sem carga alguma, eu rabiscaria o papel tentando fazer aparecer outra vez aquele casal feliz em alto-relevo. Eram lindos os dois bem juntinhos.

Em alguma parte do meu conto, eu falaria apenas dos olhos deles entrecruzando-se. Os corpos, sem ter escolha, se rendendo à profundeza daquelas duas almas se fundindo pelos olhos. E no fascínio do espelho mágico do ser, penetrariam um no outro sem pedir licenças, feito invasores e invadidos, como cúmplices dos mesmos riscos.

Talvez eu nem precisasse dizer, mas nesse conto que larguei de lado ontem, em um instante qualquer, e sem razões (que isso é incompatível ao ato), o casal se deitaria sobre um leito de sonhos, debaixo de inúmeros panos, curando-se dos danos (profanos), livrando-se de todos os desenganos, e ficariam assim, deitados sobre o leito (quem sabe? se eu deixei de escrever) por mil anos, ou por dois meses.

No final de uma dessas tantas tardes, ele a levaria no portão e a entregaria, guardada em seu beijo, a sua vontade de outra vez. Ela então compreenderia seus desejos, e com movimentos leves de língua recitaria um poema simples e singelo dizendo que sentia o mesmo.

Esse conto que deixei de escrever podia falar de muitas coisas, mas infelizmente o deixei de lado. Não quis escrever ontem, e agora, hoje, é um dia novo e o texto já não seria mais do jeito que eu quis. No meio do meu conto não haveria o meio, haveria ainda o todo que seriam ele e ela. Então eu me confundiria de tanto sentimento, e talvez quisesse voltar ao começo que foi o ontem, quando não escrevi o conto. E assim hoje, ainda confuso, talvez eu suspeitasse que restou apenas o fim.

Um comentário:

Anônimo disse...

cara, fica difícil dizer que não existe inspiração e que o texto é fruto apenas da transpiração do escritor quando se conhece o escritor e sua história pessoal.
esse texto, querendo ou não, tem lá seu cerne inspirador (que inspira dor?), enfim, belíssimo em sua simplicidade e singeleza, de forte carga poética exalando grande ternura!
ducaralho!