sábado, abril 29, 2006

No bar

Cheguei
Depositei minhas chaves
O maço já estava amassado
Algumas moedas rodopiavam em torno de si mesmas
Como a terra, a própria terra de moedas
Num assento pousei meu rabo
Trouxeram-me bebidas
Acendi o primeiro
Li um pouco
Reli minhas páginas em branco
Tentava, mas não conseguia
Um sujeito acenou com a cabeça
Fingi não ver
O copo já estava quase vazio
As provas descansavam sobre a mesa
Vozes ressonantes de trás pra frente
Nas costas
No entorno mais frágil de mim
Paguei caro
Dois e vinte
Muito caro
Onde estará?
No leito do sono
Ou no regato do sonho!
Lá vem vindo mais alguém
Estranho
Eles vêm e se vão
E se vão... e se vão
Primeiro intervalo
A cascata de urina
Mais uma
Nunca uma basta
Acendi o segundo
Brasa forte queimava meus pensamentos
De lado a outro
Um ser mitológico
Meio homem meio moto
Zanzavaeziguezagueava
Um cheiro de carne
Eu cheio de fome
Onde estará?
A terra de moedas é tão grande
Chacoalhei minhas chaves
Reli
Algumas páginas eu pulei
De propósito
Fiz gabaritos de sorte
Homero
O frango no espeto
A mesa era verde
O assento vermelho
Quase perpétuo
Onde estará?
No leito do sono
Pensei em sair
Mas desisti
Acendi o terceiro
Amargo acre desgosto
Parafraseei meus planos
Parodiei minhas derrotas
Ridículas
Pedi mais uma
Gelada
No céu havia o céu
Mais nada
Segundo intervalo
No embalo
É amarelo o líquido
Tumulto alarde alvoroço
As provas estavam todas ali
Onde estará?
Sabe-se lá
Sente-se aqui
Sinto-me aqui
Sinto-me lá
Sento-me cá
Paguei caro
Dois e vinte
Tudo em trocados
Sorvi meus sonhos
Lá vem ele mais uma vez
Monstro mitológico
Quero escrever, mas não posso
Preciso viver
Uma das vozes me lembra
Ressonância
Um eco na minha lembrança
Um beijo
Um toque
Um trejeito
Onde estará?
Ah!
Não é só deus que se esquece
Um milagre por favor
Não há motivos
Empunho a caneta
Tomo à frente o papel
Perfuro
E o sangue escorre
Pelos dedos
Pelos medos
Que instante
Que já se foi
Que não é mais
Adeus à terra de moedas
Acendo o quarto
E peço mais uma
Mas antes mesmo
Confesso
Em silêncio
Meus afetos
Onde estará?
Onde será?
Quem a terá?
Por que os gabaritos?
Não são todos iguais?
Guardei-me do mal
Lembro de versos
Mas não converso
Sou mudo no mundo
Imundo
Moribundo
Cessaram as vozes
Paguei caro mesmo
Dois e vinte
Cadê a próxima?
Essa abstração
Mero discurso
Só tenho o agora
Parti
Sei lá pra onde
Mas fui
Olhos estático-lunáticos
Variedade homogênea de si
Disperso
Depois desperto
Não sei se está
Deixo a guia me levar
Na profusão da vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

ufa!
caralho!
totalmente visual, extremamente melancólico e sentimental.
um grito de solidão em meio ao silêncio do mundo.
belo, profundo, uma profusão de ideias e sentimentos se misturando e bailando, como o mijo no vaso, a cerveja e o cigarro, enfim, numa palavra, ducaralho!