para aqueles que sentem medo
Nós nem mesmo tivemos uma conversa. Cada um deixou se desprender de si algumas palavras que nada significavam. Exemplo típico da incomunicabilidade. Eu sem saber o que dizer, ela sem ter idéia do que falar.
E de tudo, na minha cabeça, apenas dor e medo. Disso me recordo porque foi esse meu recorte. Da expectativa de uma noite dividindo meus prazeres com ela, sobrou apenas a expectativa mesmo.
Eu já estou em casa tentando em texto minha vida. Algo inútil, sei bem. Mas é essa minha vontade. Como se diante do vazio pudesse preenchê-lo com meus pensamentos e minhas projeções.
Ligo o computador. Quero escrever um conto. Meu vício de escritor me faz em princípio pensar em casos literários de medo e dor. Lembro logo do jovem comerciante, Georg Bendemann, do medo do casamento. Porém não é esse meu caso. Não quero casar. Penso então que meu medo é indefinível. Nem sei se o medo é meu ou dela; se é nosso.
E que tal a dor? Aquela sensação cortante que rasga por dentro. Que provoca a hemorragia interna dos sentimentos, que se misturam numa confusão de dúvidas, num emaranhado de fotografias velhas, em canções de nostalgia, em noites pouco, mas não mal, dormidas.
No entanto não paro de pensar e não começo a escrever. Meu cérebro e o do meu com-puta-dor são incompatíveis. Eu estou sofrendo da síndrome do papel branco, assim como Eugênio, ou Paul Gentleman, ou Jesus Kid, tanto faz.
Escrevo na tela:
Medo e dor
Era um imenso desafio para os dois. Uma parede foi erguida entre eles pelos seus passados. Jamais daria certo. Tinham ambos muito medo e muita dor, assim como muito medo de mais dor...
Apago.
Foi numa sexta-feira, num sobrado de uma rua fechada, num dia em que ainda não havia nem medo nem dor. Foi do abraço que veio o carinho, do carinho o afago, do afago o desejo, do desejo o beijo, do beijo o espanto, do espanto mais desejo, de tanto desejo veio o contato, do contato o desespero, do desespero a necessidade, desta o lisonjeio, do lisonjeio mais um abraço, e deste abraço, de corpo inteiro, o encontro e o deleite.
Onde há dor nisso?
Escrevo outra vez na tela:
Medo e dor?
Talvez devessem ter conversado mais um pouco. Quem sabe, se tivessem definido quais seriam as indefinições, tudo fosse diferente. Seria aquela a solução?...
Apago outra vez.
Até um conto eu já escrevi; bem mais fácil que este aqui. Do aniversário incomum, dos sentimentos incomuns. Essas exceções me arrebatam com tamanha facilidade. Agora a menina branca do meu conto é exatamente como a de Gullar, porque me leva no esquecimento.
Vou até a cozinha e quando pouso meu copo sobre a pia lembro dela, sentada ali onde estava o copo, molhada como o copo, cheia de vida como este copo que eu levo agora até minha boca sedenta, minha boca na boca do copo lá em cima da pia.
Faço uma nova tentativa:
Um medo, várias dores
Ele teve todas por muito pouco tempo, sempre. Com ela não era diferente; não nesse sentido, pelo menos. Mas o pouco se tornara na vontade do muito, e o medo do pouco que é muito lhes trouxe várias dores...
Essa tentativa eu desfaço me xingando.
Vou ao banheiro mijar. Estou apertado. Preciso liberar. Tenho um prazer indescritível. Meu corpo cambaleia. Perco as forças. As pernas estremecem. Caio sentado no chão. Continuo mijando. A parede está gelada. A superfície, quente e úmida. Ali nos conectamos no ontem e no meu mijo de criança daquele agora.
Tomo um banho; o sexo mental e bizarro foi completo.
Volto ao computador e escrevo novamente:
O medo de ter dor
Eles se falaram no final da tarde ao telefone, alô?; alô, como vai?; bem, e você?; bem também; silêncio; e o nosso passeio?; pois é, acho que não vai mais ter passeio; silêncio; ah é?; é, não vai mais; silêncio; eu te liguei; eu vi; interferência no sinal (silêncio involuntário); você tá diferente; silêncio; você tem alguma coisa pra me falar?; silêncio; você deve ter suas razões mas não precisa me dar; sei lá, acho que é medo; silêncio; medo do quê?; de alguém se machucar; silêncio; de você me machucar?; pode ser, ou de me machucar; silêncio; silêncio; fuga; silêncio; beijinho; beijo...
Desligo o telefone.
E de tudo, na minha cabeça, apenas dor e medo. Disso me recordo porque foi esse meu recorte. Da expectativa de uma noite dividindo meus prazeres com ela, sobrou apenas a expectativa mesmo.
Eu já estou em casa tentando em texto minha vida. Algo inútil, sei bem. Mas é essa minha vontade. Como se diante do vazio pudesse preenchê-lo com meus pensamentos e minhas projeções.
Ligo o computador. Quero escrever um conto. Meu vício de escritor me faz em princípio pensar em casos literários de medo e dor. Lembro logo do jovem comerciante, Georg Bendemann, do medo do casamento. Porém não é esse meu caso. Não quero casar. Penso então que meu medo é indefinível. Nem sei se o medo é meu ou dela; se é nosso.
E que tal a dor? Aquela sensação cortante que rasga por dentro. Que provoca a hemorragia interna dos sentimentos, que se misturam numa confusão de dúvidas, num emaranhado de fotografias velhas, em canções de nostalgia, em noites pouco, mas não mal, dormidas.
No entanto não paro de pensar e não começo a escrever. Meu cérebro e o do meu com-puta-dor são incompatíveis. Eu estou sofrendo da síndrome do papel branco, assim como Eugênio, ou Paul Gentleman, ou Jesus Kid, tanto faz.
Escrevo na tela:
Medo e dor
Era um imenso desafio para os dois. Uma parede foi erguida entre eles pelos seus passados. Jamais daria certo. Tinham ambos muito medo e muita dor, assim como muito medo de mais dor...
Apago.
Foi numa sexta-feira, num sobrado de uma rua fechada, num dia em que ainda não havia nem medo nem dor. Foi do abraço que veio o carinho, do carinho o afago, do afago o desejo, do desejo o beijo, do beijo o espanto, do espanto mais desejo, de tanto desejo veio o contato, do contato o desespero, do desespero a necessidade, desta o lisonjeio, do lisonjeio mais um abraço, e deste abraço, de corpo inteiro, o encontro e o deleite.
Onde há dor nisso?
Escrevo outra vez na tela:
Medo e dor?
Talvez devessem ter conversado mais um pouco. Quem sabe, se tivessem definido quais seriam as indefinições, tudo fosse diferente. Seria aquela a solução?...
Apago outra vez.
Até um conto eu já escrevi; bem mais fácil que este aqui. Do aniversário incomum, dos sentimentos incomuns. Essas exceções me arrebatam com tamanha facilidade. Agora a menina branca do meu conto é exatamente como a de Gullar, porque me leva no esquecimento.
Vou até a cozinha e quando pouso meu copo sobre a pia lembro dela, sentada ali onde estava o copo, molhada como o copo, cheia de vida como este copo que eu levo agora até minha boca sedenta, minha boca na boca do copo lá em cima da pia.
Faço uma nova tentativa:
Um medo, várias dores
Ele teve todas por muito pouco tempo, sempre. Com ela não era diferente; não nesse sentido, pelo menos. Mas o pouco se tornara na vontade do muito, e o medo do pouco que é muito lhes trouxe várias dores...
Essa tentativa eu desfaço me xingando.
Vou ao banheiro mijar. Estou apertado. Preciso liberar. Tenho um prazer indescritível. Meu corpo cambaleia. Perco as forças. As pernas estremecem. Caio sentado no chão. Continuo mijando. A parede está gelada. A superfície, quente e úmida. Ali nos conectamos no ontem e no meu mijo de criança daquele agora.
Tomo um banho; o sexo mental e bizarro foi completo.
Volto ao computador e escrevo novamente:
O medo de ter dor
Eles se falaram no final da tarde ao telefone, alô?; alô, como vai?; bem, e você?; bem também; silêncio; e o nosso passeio?; pois é, acho que não vai mais ter passeio; silêncio; ah é?; é, não vai mais; silêncio; eu te liguei; eu vi; interferência no sinal (silêncio involuntário); você tá diferente; silêncio; você tem alguma coisa pra me falar?; silêncio; você deve ter suas razões mas não precisa me dar; sei lá, acho que é medo; silêncio; medo do quê?; de alguém se machucar; silêncio; de você me machucar?; pode ser, ou de me machucar; silêncio; silêncio; fuga; silêncio; beijinho; beijo...
Desligo o telefone.
(agosto - 2006)
2 comentários:
porra aí, que merda!
to aqui quase me des-fazendo em lágrimas por sentir tanta dor como esse personagem aí (personagem?).
enfim, belo e singelo em sua tristeza, o conto trabalha bem com o tempo, fazendo do processo de escrita-vida um quase só momento, uma quase só dor de lágrimas e palavras que se buscam, se encontram e se fazem texto-vida-dor-lágrimas.
ducaralho!
Nem sei direito o q dizer...
Já havia escutado esse texto em sala de aula, mas ao lê-lo parece q o impacto é maior....
me fez pensar do q tenho medo e o por que dele(s).
mt bom... mais uma obra -prima...
bjs e parabéns!
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