quinta-feira, dezembro 14, 2006

É assim a vida de um escritor que não tem vez...

Cheguei bem cedo na faculdade. Aquela hora era ideal para esse tipo de coisa. No hall, reconheci algumas caras, mas preferi ignorá-las. Segui direto para o segundo andar, espreitando pelas pequenas janelas das portas, procurando a sala perfeita, a sala vazia. Incomodava-me a fisiologia humana e suas necessidades mais urgentes, como sentir sede... ou como cagar, o meu caso. No entanto, não retrocedi no meu plano. Faria primeiro o que tinha vindo fazer e só depois falaria com o ‘senhor bocão’, uma expressão idiota que aprendi por aí, e não quando pequeno, com a minha mãe. Mas no meio desses pensamentos todos, enquanto cruzava um longo corredor, meus olhos de águia – sempre falei isso aos outros sem razão aparente – captaram a câmara secreta dos meus sonhos. Minhas pernas apenas seguiram o trajeto traçado pelos meus olhos. Minha face se esticou e se enrugou toda num sorriso. A sala era realmente perfeita, arejada, com incontáveis – pelo menos naquele momento – cadeiras vazias e apenas os fantasmas silenciosos de quem já havia passado por ali. Tratei de sentar, despi-me na parte de cima. Verifiquei na bolsa os instrumentos de minha alegria, estavam todos lá, a carga da caneta, o papel branco, o isqueiro e o meu combustível, que às vezes penso ser infinito. Iniciei o processo com todo o cuidado, mas estranhamente tomado por uma pressa de quem tem fome. Estava atento aos mínimos detalhes, para que pudesse atingir o máximo no resultado. Por vezes, a distensão do meu reto me lembrava da minha vontade de cagar, mas isso ficaria para depois. De repente ouvi estalar a maçaneta da porta. Alguém estava preste a interromper o êxtase daquele instante. Cobri os instrumentos de meu regozijo. Entraram apressadas duas mulheres e se espantaram com a minha presença. Vestiam uniforme. Eram faxineiras. Disseram que iam apenas limpar o quadro. O que de fato fizeram. Depois se retiraram. A sala voltou à nitidez de suas cores. Posicionei-me na janela maior, no maior olho daquela sala. De onde pudesse ver o mundo lá fora. Já estava de posse de meus preciosos instrumentos novamente. O isqueiro vez em quando falhava, meu cu piscava de vontade de cagar, mas eu nem dava bola. Fiquei ali olhando a vida do lado de fora e quase achei bonita aquela confusão toda de sons e imagens e carros e gente e placas e vozes e postes e bancos e lojas e fotos e preços e números e letras e sabe-se lá mais o quê. Desconheço a razão, mas diante daquilo tudo, foi como se eu tivesse entrado em contato com deus, em quem ou ‘nuquinunca’ acreditei, foi como se todos fizéssemos parte de um só elemento. Mas me lembrei que tal elemento era defeituoso, opaco, sinistro e medonho. Disparei meu olhar perverso contra toda aquela desordem do lado de fora da sala. E doía-me saber que dali a pouco, teria de sair daquele ambiente quase uterino. E por falar em órgãos, os meus já se retorciam pela minha teimosia em não cagar. Foi então que decidi recolher os instrumentos e encarar pleonasticamente de frente, ou de lado, de quatro, sei lá, o mundo lá fora. Meus olhos traçaram agora o caminho do banheiro, para que minhas pernas pudessem alcançar nosso destino. Meu cu já estava impaciente, quando cruzei com as duas faxineiras, que me fitaram com olhos punitivos. Não entendi bem, preferi nem pensar. Continuei rumo ao banheiro, sendo cortado por lâminas de sol que atravessavam o corredor. Desci pela mesma escada que usei para subir, mas dessa vez, chegando ao hall, não consegui manter o anonimato. Uma rapaz me acenou e eu fiz que não vi, mudando meu percurso e prolongando ainda mais a ânsia do meu cu. Enfiei-me num outro banheiro, menor que aquele no qual pretendia ir. Apenas uma cabine, que logo tranquei, tendo de, em princípio, digladiar com mosquitos e sua orquestra de zunidos. Fui favorecido pela lei dos mais fortes e consegui espantar, se não matar, a maioria deles. Senti mais uma fisgada e minhas pernas cambalearam. Despi-me da calça e da roupa de baixo. Sentei no bocão do vaso. A primeira tira de merda foi uma mistura de dor e alívio. Meu piru acompanhou seu vizinho liberando um mijo ardido. A distensão do corpo foi instantânea. Cabines de banheiro também me agradavam. Eram pequenas, seguras, bem diferentes do mundo lá fora. E da cabine de um banheiro, a única coisa que mandamos para o mundo lá fora é a nossa merda. É como mandar o próprio pai tomar no cu quando ele comete uma injustiça muito grande. Estava mais calmo agora. Trancado numa cabine passando na cara do mundo lá fora a minha merda. Além disso, eu gostava de vasos sanitários porque me lembro que na infância, a minha mãe plantava rosas num deles, que ficava na varanda. Senti que aquele momento não podia ser acompanhado de outra coisa que não dos meus instrumentos. Tirei-os todos da bolsa novamente. Absolutamente admirável do que uma carga, uma folhinha branca, um isqueiro falhando e o meu combustível são capazes. Os poucos amigos que tenho podem confirmar, pois sempre me acompanham nas minhas aventuras. Estava bom demais. Mas, como na sala, alguém entrou no banheiro, arrastando algum objeto que não consegui identificar. Dava pra ouvir também os passos marcados no ladrilho do banheiro. Enchi-me de medo. Não podia ver nada além de uma sombra que dançava do lado de fora da cabine. Era bastante agonizante. Um chuveiro foi ligado e rapidamente a água se chocou contra o chão, o que me provocou paradoxalmente certo alívio, pois o som da água batendo naquela superfície azulejada me fez lembrar de chuva, do seu chiado constante, hipnótico, que inunda. Mas ao fundo, percebi crescer o som de uma sirene, de maneira intermitente. Senti um desespero. Tinha que sair logo dali. Certamente estavam atrás de mim. Foram as duas faxineiras que me denunciaram. Só então percebi que não tinha papel higiênico. Eu certamente estava encrencado. Pensei rápido. Olhei a privada. Hesitei em fazer, mas tinha que decidir. Guardei isqueiro, carga e combustível. Ainda podia ouvir as sirenes. Estavam mais altas, mais nítidas, mais próximas. Foi aí que tomei a folhinha branca agora preenchida de letras e passei no meu rabo com força, o que só me causou dor e nenhum alívio. Joguei o texto misturado com a minha merda na privada e puxei a descarga. Saí da cabine assustado, suarento, já sem a prova do meu crime, o meu texto que ninguém publica...


...porém, do lado de fora, não havia ninguém. Só o chuveiro ligado. Nenhuma sirene. Havia apenas aquele mundo lá fora.

(Setembro/2006)

terça-feira, setembro 26, 2006

O caráter totalizante da instituição escolar

Fábio Carlos de M. da Fonseca *

“Se a educação é determinada fora do poder de controle comunitário dos seus praticantes, educandos e educadores diretos, por que participar dela, da educação que existe no sistema escolar criado e controlado por um sistema político dominante?”
Carlos Rodrigues Brandão

I – introdução

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro dispõe de uma unidade especializada na formação de professores. Teoricamente, a realidade e as condições da educação, nos seus diversos níveis, deveriam ser pontos de pauta obrigatórios nos currículos dos cursos oferecidos pela instituição. Entregar-se a tarefa de educador exige bastante coragem e comprometimento, tendo em vista o quadro lastimável em que se encontra Educação.

No curso da graduação, é bastante comum que os alunos do curso de graduação para o magistério se deparem com estudos, análises e teorias oriundas das mais diversas áreas do saber; todos ligados ao campo da educação. O que há de verdadeiro e o que há de falso neste entreposto? Essa é uma pergunta que necessita de uma resposta urgente e desmistificadora. Uma resposta que seja capaz de por em xeque algumas teorias de caráter platônico que alguns insistem em reproduzir, mesmo que a práxis os desminta.

A Educação é ciência relacionada aos homens. Os homens são, na sua essência, políticos. Logo, a educação é uma questão política. A escola é a manifestação concreta da educação. Um fato que não deve ser desconsiderado é a incapacidade da escola em atender a todas as crianças do mundo. Mesmo sendo este o (pseudo) projeto ideológico dela. Tal apontamento só nos leva a crer na sua hipocrisia. Ou será que ela nasceu pra isso mesmo?
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* Graduado pela Faculdade de Formação de Professores – UERJ e pós-graduando em Língua Portuguesa (lato-Sensu) pela mesma instituição.

II – da origem e das motivações do sistema escolar

A educação dos homens nem sempre foi concebida dentro da escola. Nem tampouco possuía o caráter dos dias atuais. Na antiguidade clássica, a aquisição do conhecimento era privilégio para as famílias nobres. O mestre-filósofo era responsável pela educação de mais ou menos cinco discípulos e ministrava aulas sobre aritmética, filosofia, política e artes. O surgimento da Igreja Católica deu início a um novo tratamento dado ao conhecimento. Sua transmissão passou a ser encarada de maneira mais sistemática e pedagógica. A formação intelectual dos clérigos era extremamente regulada e orientada. Não à toa muitos membros da Igreja receberam destaque nas mais diversas áreas do conhecimento.

A Igreja passou a enxergar a educação como uma verdadeira ferramenta a seu serviço, pois poderia lhe permitir a disseminação de seus dogmas mais profundos. A educação religiosa, nesse sentido, foi a gênese de um modelo institucional que vigora até hoje. A apropriação do conhecimento de maneira unilateral permitiu a hegemonia do pensamento católico-cristão durante boa parte da história da humanidade. Isto significa dizer que o aparelho educacional da Igreja era veiculador dos seus interesses e estava em acordo com seu projeto ideológico. Como a Igreja era o 1º Estado, já podemos antecipar que o sistema escolar surgiu para atender ao Estado, e tão somente a ele.

O fim da idade média, o enfraquecimento da instituição religiosa, o surgimento da burguesia e do mundo moderno impuseram à educação uma outra dinâmica. Em primeiro momento, a preocupação maior da burguesia era apenas com a educação de si mesma. O mega empreendimento da industrialização demandava braços e não mentes. Desta forma, o projeto escolar ficou abandonado em primeiro instante. Mas a onda de racionalidade européia motivada pelo movimento iluminista trouxe a reboque a discussão sobre o sistema educacional. Nomes como Diderot, D’Alambert, Voltaire, Montesquieu e Rousseau entoaram seus discursos contra a fé, defendendo a crença mediante análise racional e desferiram contra a Educação Jesuítica.

No Brasil colonial, era esta a educação promovida. Uma educação não laica e profundamente vinculada ao projeto catequista da igreja católica. Recorrendo ao intelectual Nelson Werneck Sodré, podemos constatar que aqui, o encontro entre a escola e o Estado se deu a partir de Marques de Pombal, pois “a reforma pombalina, se careceu de méritos e assinalou sua ineficiência no descalabro do ensino, na segunda metade do século XVIII, teve um traço significativo: representou o ingresso do Estado na solução do problema; se a estrutura anterior fora trabalho praticamente monopolizado pela Companhia de Jesus, a nova estrutura será mista, pertencendo um pouco à área privada, com outras Ordens nela concorrendo, e um pouco à área pública” (SODRÉ, 1983: 28).

No entanto, a aquisição do conhecimento continuou a ser um privilégio das classes dominantes, até porque à força produtiva não era necessária educação. A sua massificação se deu no início do século XX. Segundo Magda Soares, “a escola pública não é, como erroneamente se pretende que seja, uma doação do Estado ao povo; ao contrário, ela é uma progressiva e lenta conquista das camadas populares, em sua luta pela democratização do saber, através da democratização da escola” (SOARES, 1999: 9). De fato, não se tratou de uma doação, mas também não foi fruto de pressão popular. Foi, antes, a necessidade de um país que se aventurava no processo de industrialização tardia, e assim o Estado precisava ‘educar’ – leia-se aí profissionalizar – sua classe trabalhadora. Isto significa perceber que se tratou de uma imposição do Estado e uma necessidade do Capital.

III – desmistificando a escola

“A escola produz os súditos de um mundo no qual a tecnologia é rei”
Everett Reimer

É de extrema importância percebermos que tipo de relação o homem estabelece com o sistema educacional. Quase que a totalidade das pessoas consideram a instituição escolar indispensável em suas vidas. O óbvio é sempre estúpido e toda unanimidade burra, mas no que diz respeito à escola, estes ditados parecem impertinentes. Será? De acordo com Everett Reimer, a educação promovida pela escola se constitui num dos pilares mais importantes da vida moderna. Seria impossível imaginarmos a lógica e a dinâmica geral da sociedade se não fosse o poder desta instituição. “O sistema escolar tornou-se, assustadoramente, em menos de um século, o principal mecanismo de distribuição de valores de toda espécie entre os povos do mundo...” (REIMER, 1983: 38).

Nesse sentido a escola foi se transformando em uma instituição totalizante, cujo papel na organização da vida humana se fez fundamental. Mesmo com todas as suas contradições, o sistema capitalista prevê uma divisão sistemática em etapas da vida do homem. Em ordem decrescente, na velhice nos ocupamos da aposentadoria, na fase adulta do trabalho e na infância e adolescência da escola. É justamente na fase de formação de nossa personalidade que somos submetidos aos conceitos de organização, aos ditames culturais e ao modus operandi da escola. Ela tão bem condiciona as mentes dos homens que o discurso do senso comum em sua defesa beira a naturalidade.

Ainda para Nelson W. Sodré, “em todos os tempos e em todos os lugares, com o desenvolvimento das sociedades complexas, como as do capitalismo, demandam complexos aparelhos de ensino (...), tais aparelhos e estruturas são, no todo ou em parte, peças do aparelho de Estado; transmitem, assim, a cultura oficial, aquela que obedece à característica social de que a cultura dominante é a cultura das classes dominantes” (SODRÉ, 1983: 122). E por pertencer ao Estado e estar ao seu serviço, acaba se transformando no principal porta-voz de sua ideologia, atuando como meio de coerção. A educação pregada pela escola, por exemplo, remonta, de uma maneira geral, a sociedade tecnocrata. Ao se tornar escravo da tecnologia, como assim a escola o quer, o homem deposita seu projeto (esperança) de transformação pessoal naquilo que historicamente serviu à dominação.

III – a escola reproduz a sociedade ou a sociedade reproduz a escola?

A resposta para tal pergunta seria longa, mas neste pequeno artigo atentamos para alguns dados comparativos que visam comprovar o vínculo estreito entre projeto educacional e projeto de sociedade. Até que ponto, de maneira concreta, estas duas instituições estabelecem uma relação indivisível? A fragmentação social se reflete na escola, e por ser um fato é incontestável. Mas ainda assim, somos tornados escravos do sistema educacional escolar. Eis aqui três comparações cabais e que podem revelar o caráter tácito da escola.

· Realidade das salas de aula X realidade do mercado – enquanto massas de trabalhadores se acotovelam nas portas das agências de trabalho, nas fileiras das salas de aula, a escola tenta impor aos seus alunos a lógica da competição, a necessidade de sobrepor, quantitativamente, o colega ao lado. Nas universidades, a escassez de bolsas gera uma disputa calcada nos coeficientes de rendimento, na maioria das vezes obtido sem que o aluno vivencie seu objeto de estudo, apenas qualificando-se pela nota. Assim como não há vagas suficientes para as massas de desempregados, não há bolsas capazes de suprir as necessidades acadêmicas dos universitários. E tão bem a escola condiciona seus alunos que a lógica do determinismo social se transforma em ago banalizado e aceito. Embora prometa inclusão, a estrutura escolar só faz excluir ainda mais.

· Grau de instrução X condições de oportunidade – as posições na sociedade ocupadas pelos pais dos alunos constituir-se-ão, a priori, enquanto um fator preponderante para a definição dos vencedores e perdedores dentro do sistema escolar. Não há igualdade de oportunidades, se mesmo o tratamento é diferenciado. Desta forma, o afunilamento vai se perpetuando e conservando a mesma classe no poder. Na visão de Reimer, “na idade escolar, ninguém está irremediavelmente perdido; mas assim que termina o jardim de infância, notas e registros de QI são anotados, e a partir de então a porta estará quase completamente fechada àqueles cujas notas e registros foram baixos demais” (REIMER, 1983: 62).

· Exclusão educacional X exclusão social – a primeira acaba se tornando dispositivo ou condição para a segunda, pois “a exclusão educacional marca o indivíduo socialmente excluído em outras formas de exclusão social. (...) a moderna teoria econômica aceita que a educação da força de trabalho é um dos determinantes mais importantes da renda e do padrão de vida atingido pela população, bem como as taxas de crescimento econômico” (BRACHO, 2001: 120). Mas até mesmo aqueles que conseguiram superar as etapas da escola não tem seu pretenso sucesso garantido. Qualquer estudo estatístico pode comprovar que um grande número de trabalhadores perfeitamente instruídos para o mercado está fora dele.


A escola se coloca, portanto, como uma instituição hierarquizada que visa estender sua institucionalização à infância e à adolescência. A definição de tais fatores reside na observação simples da realidade cotidiana das salas de aula: estratificação em níveis, classes, todos baseados na divisão etária, desconsiderando totalmente o processo cognitivo. Procedendo assim, a escola universaliza toda uma etapa da vida do homem. Definitivamente, a escola não é um espaço de igualdade, antes, reproduz a latente divisão existente na sociedade, a qual presta seus serviços.

IV – a realidade educacional desnuda

Tentando estabelecer o contraponto com a lógica academicista, o artigo decidiu relacionar as idéias aqui expostas e as realidades conhecidas; os dados empíricos que dizem respeito à educação no estado fluminense. Até que ponto as idéias dos teóricos ‘otimistas’ da educação podem ser entendidas como possibilidades concretas? Esta pergunta é sintomática e abre espaço para a desconstrução de uma formação utópica a que são submetidos os alunos das faculdades de formação de professores Brasil afora.

No Rio de Janeiro, a realidade educacional põe por terra todas as teorias que pregam a escola como a redentora da sociedade. Melhor seria se analisássemos a educação como algo fragmentado, que tem sua expressão baseada nas suas distintas conjunturas. A questão de classe deve ser excluída do debate? Se for o caso, é puramente pretensioso. Como bem aponta o Reimer, a escola não é uma necessidade da população, mas uma imposição do Estado, tendo em vista a enorme coerção ideológica a que são condicionados seus agentes (pacientes).

Em São Gonçalo, o descaso com relação à educação é explícito. 15 creches públicas já fecharam suas portas pela falta de repasse financeiro. Há anos a administração pública tem desrespeitado a LDB que prevê que as Secretarias Municipais de Educação assumam a responsabilidade sobre as creches comunitárias. No município do Rio, a Escola Municipal Levy Neves agoniza com a superlotação de alunos. Por determinação da prefeitura, o número de turmas foi reduzido pela metade, obrigando os alunos a se espremerem num espaço minúsculo.

Como podem ser discutidas teorias educacionais na universidade se nem mesmo a realidade concreta nos permite realizá-las. Seria medo de assumir os fatos? Talvez, Reimer esteja certo. A escola não é um espaço de igualdade. Antes, reproduz a latente divisão existente na sociedade, a qual presta seus serviços. Analisando a escola brasileira, bem como os projetos para ‘democratização’ do ensino, percebemos diversas incoerências que vão desde os objetivos aos fins. Recentemente, uma proposta de implementação de política de cotas para negros nas universidades caiu como uma bomba sobre o colo da elite, que viu a possibilidade de perder uma fatia gorda de suas vagas socialmente reservadas.

A solução seria a melhoria do ensino básico? Tudo bem. Vamos relembrar as políticas públicas para a redenção da escola. Que tal o Programa Nova Escola? O tempo e implacável e tem revelado o verdadeiro objetivo do programa. O Colégio Estadual Trasilbo Filgueiras, em Jardim Catarina (SG), na última avaliação da SEE recebeu conceito I (de I a V) pela falta de investimento, e verbas para melhoria de condições do espaço físico de escola. É esta realidade que norteia a formação acadêmica dos futuros professores?

Eis o caos que muitos dos formados em licenciatura irão enfrentar, e não o mundo dos livros ou dos belíssimos discursos que estamos acostumados a ouvir. Existe uma lacuna imensa entre a teoria e a prática que aumenta a passos largos. Uma postura crítica e desiludida a respeito da educação se faz necessária ao entendimento do quadro no qual se encontra a escola. A superação deste fato concreto necessita, obrigatoriamente, da superação do injurioso discurso acadêmico, capaz de tornar os fatos em simulacros, algumas vezes intransponíveis, pois se cristalizam no tempo e no espaço a partir de nossas práticas.

V – bibliografia

BRACHO, Teresa. Exclusão Educacional enquanto Dispositivo de Exclusão Social. In: OLIVEIRA, Maria Coleta (org). Demografia da Exclusão Social. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001.
REIMER, Everett. A escola está morta: alternativas em educação. Trad. Tony Thompsom. Rio de Janeiro, F. Alves, 1983.
SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1999.
SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese da História da Cultura Brasileira. São Paulo: Difel, 1983.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Com a ajuda de chico

para quem me faz bem...
O Homem estava num lado da rua. A Mulher no outro. Esperavam pelo ônibus a fim de seguirem suas viagens. Olharam-se. Ligaram-se. Os olhos mesmo à distância de duas extremidades tinham cumplicidade. O homem atravessou a rua e o caminho da mulher repentinamente apaixonado. Todos os seus vícios o Homem confessou a Mulher.

O amor é ter no outro o porto seguro de si? É se atirar do alto de um prédio e não cair, porque agora se tem asas?

A Mulher consterna. Nada nega. Confessa que já sabia de tudo que ele tinha dito a ela. Diz que o novo da situação está no olhar. Pede ao Homem sua compreensão. Estão agora os dois no ponto da Mulher. Talvez eles sigam agora aquele carinho.

Mergulham então no oceano profundo. Podem respirar em qualquer lugar porque o alimento de suas vidas não está no âmbito da materialidade. Ainda se olham enquanto dão braçadas e pernadas rumo ao que há de mais profundo no oceano. Estão absolutamente encharcados. Desligam o chuveiro. Vestem-se. Ainda se olham.

Naquela noite eles não se veriam. Mulher adoeceu. Homem compreendeu. Ela havia pedido compreensão. Era noite muito quente. Era noite de muita gente na rua. O calor em pleno inverno torna os ambientes fechados o verdadeiro inferno. Então Homem foi beber.

Sentou-se logo porque as pernas estavam bambas de sono. Assistia a um jogo de futebol e lembrou de chico. Você era a mais bonita das cabrochas dessa ‘sala’. Lembrou de Chico porque tinha lembrado da Mulher. O meu samba se marcava na cadência dos seus passos. Passos, aliás, dados pelo Homem ao sair do seu ponto. Mas estava satisfeito.

Mulher pensava fazer o doce predileto do Homem só para ele ficar em casa.

Homem comemorava no bar e Mulher não sabia lá o quê. Homem comemorava o sentimento que tinha por ela, cada lembrança mais um copo e a vontade de cantar seu afeto. Sentiu saudades do olhar. Não fica sentida, você já mudou minha vida.

No bar reinavam bafos de rivalidade, alentos de discórdia, entusiasmos de ciúmes. Tudo por conta de um esporte. Homem alheio a tudo. Projetando na retina dos próprios olhos o olhar raso da Mulher, seguro, sobriamente belo, harmônico ao traço da boca, singelo no contorno do sorriso benevolente.

A saudade que Homem tinha de Mulher o tornava um ser leve, absolutamente ameno, de comportamento sereno e tranqüilo. Mulher era morena dos olhos d’água, os seus olhos, do mar! Homem gostava do abraço estreito de Mulher. O Olhar de Mulher chamava o Homem de menino vadio, não queria ter seus convites recusados, queria Homem perdido nos braços dela. Homem rodara o mundo entre guerras e batalhas, retornando em busca da prenda dos carinhos de Mulher.

No final daquela noite, Homem nem mesmo dormiu, porque quando fechou seus olhos, o sonho não foi interrompido; começou no dia, no ponto, nos olhos e continuou no sono!

quarta-feira, agosto 30, 2006

Muitos textos sobro muitas coisas

Levi Santos é aluno do 3ª ano do ensino médio, de pensamento e postura ideológica bastante peculiares. Figura difícil de estabelecer acordos, mas instigante exatamente por essa mesma característica. Seu texto é um embate com o mundo e consigo mesmo, que nos revela os conflitos mais singulares do homem, dividido entre sua aparente autonomia e a obediência à ordem.
***
Erick Comarck também é aluno do 3º ano do ensino médio, músico e marcado por uma nostalgia dos sentimentos. Um otimista, assim se pode dizer, mas um otimismo racionalmente construído, como se pode perceber em seu texto, amarrado por relações gramaticais, fazendo do poema quase uma prosa. Se há verdade em suas palavras, não se pode saber, mas pelo menos sinceridade há.
***
Renan França é aluno do 1º ano do ensino médio e dono de uma literatura madura e organizada, livre das mazelas e banalidades da vida. Autor de textos que nos fazem enxergar além da carapaça imunda dos homens, que nos fazem penetrar naquela parte obscura que às vezes tentamos negar que existe. Sua escrita causa espanto e repulsa, ao mesmo tempo que nos cospe na cara a constatação da nossa insignificância.
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Fábio Fonseca é professor desses três jovens poetas, e sobre ele nada se sabe além do que seus textos permitem falar.
Boa leitura!

***

Teleguiado

Continue a contemplar a face lânguida de suas esperanças vazias
A tua idealização de perfeição
Continue a absorver as regalias de seu mundo fantasioso
Sim, sejam pego na armadilha

O mundo gira
O tempo passa
Impérios se levantam e caem
A esperança morre
E você aí, estático

Emoções sem sentido
É o que vejo no teu rosto
A consciência é desativada
Cai, se perde, desaparece
O que resta é a mentira, a prepotência
Falsa idéia de dominação

Por que conhecer limitações?
Por que lutar contra elas?
A trave no teu olho não te deixa ver
Nada além das respostas armadas dadas às perguntas que angustiam

Esquecer o primordial, se abstrair
Continue a contemplar a face lânguida de suas esperanças vazias
Catatônico
Talvez, do grande ponto luminoso a sua frente
Saia a solução para a sua vida adiada!

(Levi Santos)

Vida

É...
Eu prefiro assim
a vida mais feliz
mais alegre e sorridente
prefiro esquecer: momentos tristes,
lamuriantes,
dos que sofri,
que fiz sofrer
dos que virei marionete
nas mãos de uns
... chega!
Aprendi a viver a vida
numa boa
como um sonho
que nunca se acaba.
Sonhe! Brinque!
E sorria,
pois sem sorrisos
o que seria da vida?
Bem, não sei explicar,
mas dos sorrisos que presenciei
que vi-vivi
e os que pratiquei,
desses sim só retiro coisas boas.
Sentimentos verdadeiros
absolutos, claros e óbvios!
Afinal, a vida é assim
e é assim que tem de ser.
Vivemos só de alegrias?
Não sei,
mas desses momentos aposto
aposto que são prazerosos,
a clareza desses sentimentos:
alegria felicidade, saudade, gozo
entre outros, entre todos
que aspiramos o necessário,
para que possamos enfrentar
de peito aberto, rasgado,
os sentimentos mais tristes,
os que ferem e deixam marcas.
Assim termino
lembrando que:
viva a vida,
seus opostos que se completam!
Assim te inicio!

(Erick M. Comarck)

Cidade Maravilhosa

O turista chegou no Rio e viu filas...
‘’E essa fila para que serve?’’
O turista não desconfiou de nada
Era apenas a gincana do dia-dia...

‘’Cinco mil reais para quem comer uma barata...viva!’’

Quando o turista soube, ficou perplexo...
E cumprimentou um por um...
‘’Que gente espetacular... Faz fila para comer um bichinho nojento’’
E a fome virou sinônimo de coragem...

Naquela fila de cariocas corajosos,
Haviam subnutridos e sub-homens...
Mas você se engana quanto ao resto...
Não haviam somente pobres...também haviam bichos,
Como os pais desempregados e filhos sem ter o que comer...
E pessoas com fome de um dia inteiro...

E na placa se lê: Cortesia do Estado do Rio de Janeiro.

(Renan França)

A tragédia dos nossos esquecimentos ou Somos todos insensíveis

nasceu
nem cresceu
sentiu fome
não comeu
teve sede
não bebeu
pediu ajuda
ninguém deu
pegou num fuzil
depois morreu
pra nascer outro em seu lugar

(Fábio Fonseca)

segunda-feira, agosto 21, 2006

Quando a idéia se perde na profusão da vida ou Apenas um texto não escrito

para uma pessoa especial


Ontem tive uma idéia para um conto. Teimei deixá-lo para hoje. Rendi-me à preguiça e decidi esperar o outro dia. Se tivesse iniciado o texto logo, talvez seu primeiro parágrafo trouxesse imagens belas, reconfortantes, como quando sentimos saudades de tudo que nos é agradável. Quem sabe minhas palavras não dançassem pela pista branca e lisa da folha uma canção suave, tranqüila.

O personagem amaria a moça sobre todas as coisas. E desafiando até mesmo o mandamento maior do criador, sua amada moça o abraçaria na cintura – porque era mais baixa que ele – e o apertaria contra seu corpo, tentando se unir a ele no retorno à condição plena.

No conto que deixei de escrever ontem, os dois personagens estariam sentados numa sacada qualquer dessas que existem por aí. Não para apreciarem a paisagem à frente, e sim para se deixarem cair juntos, sentindo na barriga e no corpo inteiro o frio que é cair assim tão do alto. Continuariam em queda sempre sorrindo, sem que o medo lhes tirasse o prazer do momento.

Enquanto eu pensava naquele conto, na minha cabeça os dois iam sempre juntos (há quem chame isso de relação doentia) até que a tinta da minha esferográfica se extinguisse na minha imaginação; e mesmo sem carga alguma, eu rabiscaria o papel tentando fazer aparecer outra vez aquele casal feliz em alto-relevo. Eram lindos os dois bem juntinhos.

Em alguma parte do meu conto, eu falaria apenas dos olhos deles entrecruzando-se. Os corpos, sem ter escolha, se rendendo à profundeza daquelas duas almas se fundindo pelos olhos. E no fascínio do espelho mágico do ser, penetrariam um no outro sem pedir licenças, feito invasores e invadidos, como cúmplices dos mesmos riscos.

Talvez eu nem precisasse dizer, mas nesse conto que larguei de lado ontem, em um instante qualquer, e sem razões (que isso é incompatível ao ato), o casal se deitaria sobre um leito de sonhos, debaixo de inúmeros panos, curando-se dos danos (profanos), livrando-se de todos os desenganos, e ficariam assim, deitados sobre o leito (quem sabe? se eu deixei de escrever) por mil anos, ou por dois meses.

No final de uma dessas tantas tardes, ele a levaria no portão e a entregaria, guardada em seu beijo, a sua vontade de outra vez. Ela então compreenderia seus desejos, e com movimentos leves de língua recitaria um poema simples e singelo dizendo que sentia o mesmo.

Esse conto que deixei de escrever podia falar de muitas coisas, mas infelizmente o deixei de lado. Não quis escrever ontem, e agora, hoje, é um dia novo e o texto já não seria mais do jeito que eu quis. No meio do meu conto não haveria o meio, haveria ainda o todo que seriam ele e ela. Então eu me confundiria de tanto sentimento, e talvez quisesse voltar ao começo que foi o ontem, quando não escrevi o conto. E assim hoje, ainda confuso, talvez eu suspeitasse que restou apenas o fim.

sexta-feira, agosto 11, 2006

Infarto

para mim mesmo

São duas as minhas formas de inspiração: prender a respiração ou respirar profundamente. É nessa base aparentemente simples que se apóia minha produção literária. Os contornos dos meus contos, que escrevi poucos, dos poemas, que escrevi muitos, dos romances, que já vivi vários mas escrevi apenas alguns, os contornos de toda minha escrita seguem o caminho do ar preso e do ar adentro.

Enquanto espero, escrevo e depois rasgo, assim como na música, minhas melhores idéias. A sobra eu dedico aos leitores. São as projeções sobre amor, sobre amar, sobre ser amado ou ser amante, sobre o ser amado ou o ser amante. Os leitores adoram essas sobras minhas.

Quando o ar paira dentro de mim, e então prendo a respiração, me vejo dentro de um vácuo, flutuante na náusea, leve como uma pluma, como um papel de bala caindo do décimo quinto andar de Quando tudo acontece ao mesmo tempo, viajo desarmado e desamarrado de princípios ou empecilhos...


fui até a esquerda
direita olha-me na esquerda
me afasto retorno
não espero
coloco meus sapatos
esquerda ou direita?
dou-me um tiro no centro

respiro profundo e profuso esse ar de parafuso confuso e não-difuso me uso no uso do abuso ponto respiro o remédio contra o tédio e fico assim de intermédio ponto de novo dedilho meus trocadilhos maltrapilhos em estribilhos de milho ponto tá pronto meu conto tô tonto desmonto e monto no manto santo num recanto de enquanto ponto final

Meu coração parece que vai parar de bater na porta. Cansou de chamar e não ser atendido. Os dedos do meu coração estão esfolados de tanto socar a porta. É triste ver o desespero dele quando percebe que o lado de dentro não quer recebê-lo. Não resta mais esperança, ele não agüenta mais esperar, quem espera nunca alcança. Então, coração, descansa.

São essas as linhas e trilhas que baseiam meus dois poços de inspiração.

(agosto de 2006)

terça-feira, agosto 08, 2006

Conto in-contado ou Todo carnaval tem seu fim II

para aqueles que sentem medo
Nós nem mesmo tivemos uma conversa. Cada um deixou se desprender de si algumas palavras que nada significavam. Exemplo típico da incomunicabilidade. Eu sem saber o que dizer, ela sem ter idéia do que falar.

E de tudo, na minha cabeça, apenas dor e medo. Disso me recordo porque foi esse meu recorte. Da expectativa de uma noite dividindo meus prazeres com ela, sobrou apenas a expectativa mesmo.

Eu já estou em casa tentando em texto minha vida. Algo inútil, sei bem. Mas é essa minha vontade. Como se diante do vazio pudesse preenchê-lo com meus pensamentos e minhas projeções.

Ligo o computador. Quero escrever um conto. Meu vício de escritor me faz em princípio pensar em casos literários de medo e dor. Lembro logo do jovem comerciante, Georg Bendemann, do medo do casamento. Porém não é esse meu caso. Não quero casar. Penso então que meu medo é indefinível. Nem sei se o medo é meu ou dela; se é nosso.

E que tal a dor? Aquela sensação cortante que rasga por dentro. Que provoca a hemorragia interna dos sentimentos, que se misturam numa confusão de dúvidas, num emaranhado de fotografias velhas, em canções de nostalgia, em noites pouco, mas não mal, dormidas.

No entanto não paro de pensar e não começo a escrever. Meu cérebro e o do meu com-puta-dor são incompatíveis. Eu estou sofrendo da síndrome do papel branco, assim como Eugênio, ou Paul Gentleman, ou Jesus Kid, tanto faz.

Escrevo na tela:

Medo e dor

Era um imenso desafio para os dois. Uma parede foi erguida entre eles pelos seus passados. Jamais daria certo. Tinham ambos muito medo e muita dor, assim como muito medo de mais dor...

Apago.

Foi numa sexta-feira, num sobrado de uma rua fechada, num dia em que ainda não havia nem medo nem dor. Foi do abraço que veio o carinho, do carinho o afago, do afago o desejo, do desejo o beijo, do beijo o espanto, do espanto mais desejo, de tanto desejo veio o contato, do contato o desespero, do desespero a necessidade, desta o lisonjeio, do lisonjeio mais um abraço, e deste abraço, de corpo inteiro, o encontro e o deleite.

Onde há dor nisso?

Escrevo outra vez na tela:

Medo e dor?

Talvez devessem ter conversado mais um pouco. Quem sabe, se tivessem definido quais seriam as indefinições, tudo fosse diferente. Seria aquela a solução?...

Apago outra vez.

Até um conto eu já escrevi; bem mais fácil que este aqui. Do aniversário incomum, dos sentimentos incomuns. Essas exceções me arrebatam com tamanha facilidade. Agora a menina branca do meu conto é exatamente como a de Gullar, porque me leva no esquecimento.

Vou até a cozinha e quando pouso meu copo sobre a pia lembro dela, sentada ali onde estava o copo, molhada como o copo, cheia de vida como este copo que eu levo agora até minha boca sedenta, minha boca na boca do copo lá em cima da pia.

Faço uma nova tentativa:

Um medo, várias dores

Ele teve todas por muito pouco tempo, sempre. Com ela não era diferente; não nesse sentido, pelo menos. Mas o pouco se tornara na vontade do muito, e o medo do pouco que é muito lhes trouxe várias dores...

Essa tentativa eu desfaço me xingando.

Vou ao banheiro mijar. Estou apertado. Preciso liberar. Tenho um prazer indescritível. Meu corpo cambaleia. Perco as forças. As pernas estremecem. Caio sentado no chão. Continuo mijando. A parede está gelada. A superfície, quente e úmida. Ali nos conectamos no ontem e no meu mijo de criança daquele agora.

Tomo um banho; o sexo mental e bizarro foi completo.

Volto ao computador e escrevo novamente:

O medo de ter dor

Eles se falaram no final da tarde ao telefone, alô?; alô, como vai?; bem, e você?; bem também; silêncio; e o nosso passeio?; pois é, acho que não vai mais ter passeio; silêncio; ah é?; é, não vai mais; silêncio; eu te liguei; eu vi; interferência no sinal (silêncio involuntário); você tá diferente; silêncio; você tem alguma coisa pra me falar?; silêncio; você deve ter suas razões mas não precisa me dar; sei lá, acho que é medo; silêncio; medo do quê?; de alguém se machucar; silêncio; de você me machucar?; pode ser, ou de me machucar; silêncio; silêncio; fuga; silêncio; beijinho; beijo...

Desligo o telefone.
(agosto - 2006)

segunda-feira, julho 10, 2006

Aniversário

para flavinha, drica e nico

Era ainda a véspera quando Ele saiu de casa todo cheiroso da fogueirinha que havia acendido antes. Conservou-se nele a onda e também o mar quase inteiro porque não sabia mais como fazer a maré baixar. Seguiu pela rua de paralelepípedos traiçoeiros na busca quase épica de uma condução que lhe desse uma condição qualquer que fosse. Esbarrou na própria sombra que passou no olho à noite anterior quando não dormiu mas mesmo assim sonhou. Sentiu nas ventas o cheiro da fossa entupida e lembrou de que a descarga de sua casa estava em reparos e que toda sua merda boiava ainda fresca no vaso. Lembrou também que da bosta faz-se o adubo e que um dia do seu vaso sanitário poderia brotar a rosa branca da qual ele tanto gostava.

Desceu do ônibus em fila sem reclamar nem pensar no tempo que demorou em chegar sua vez. Tinha na cara um ar de foda-se mas no coração uma faixa dizendo eu estou é fodido. Preferiu andar de olhos abertos mas cegos pelas calçadas da infâmia de Niterói. Procurava um calço para os pés de outro sem notar seus próprios passos errantes. Cruzou com guardas que corriam com cara de poucos amigos atrás dos seus inimigos. Fugiu de medo que a dor da cacetada na tarde de fevereiro não lhe saiu da cabeça jamais. Enfiou-se num bar e pediu um traçado para ver se traçava melhor seu caminho. Sentiu vontade e pensou dar um dois ali mesmo mas os outros quatro que estavam no bar lhe dariam mais de mil porradas. Deduziu que a matemática era óbvia demais e preferiu sair à rua outra vez para contar a si mesmo que estava tudo bem e que já era hora de seguir.

Que calço porra nenhuma e Ele já estava bambo no bar da faculdade bebendo e esperando sozinho ao lado de tantas pessoas que pareciam pirus e vaginas gozando o prazer da identidade européia que muito idiota revogou ao longo dos tempos. Olhava a bola na tela e coçava as bolas no meio das pernas já meio sem saco de ter de esperar. Tentou lembrar dos próprios versos mas aconteceu o inverso pois foram os versos que lembraram dele assim de repente. Sentiu o choro embaçar a tela e embalou no tempo de espera. Eram 26 anos quem diria e Ele era uma quimera com sua cabeça de leão seu corpo de cabra e sua cauda de dragão. Engoliu a cerveja primeira em goles apressados que avançar é sempre uma fuga.

Me bateram no ombro e me disseram não desista mas eu caguei bonito e nem fiz questão de me limpar da história manchada de sangue coagulado da espera que me fez petrificar no tempo e reduzir-me a um só espaço e restringir passos e se despedaçar o paço majestoso onde um eu de mim morreu e um outro eu de mim nasceu em seu lugar e então a vida me foi servida em um prato que me transbordava pra fora de tudo aquilo que chamam lar que por sinal nunca tive a não ser um teto que me abrigasse a cabeça das águas de março que escorriam dos olhos em direção ao passado que se faz presente sempre e em futuro se travesti nos pensamentos e expectativas

O homem debruçado sobre o balcão na parte de dentro fez um comentário qualquer exigindo que Ele sacasse de seu coldre uma de suas mil e tantas máscaras e disparasse um sorriso de canto de boca de quem concorda sem nem mesmo saber com o quê. Pensou ter visto mais caras assim como aquelas que via no bar e sentiu vontade de mandar todo mundo se foder que de rotina já estava cheio. Tentou se lembrar dos nomes dos filmes mas sua memória reduzida e distraída emperrava na fraqueza de se recordar apenas dos últimos cinco minutos de acontecimento porque todo o resto Ele tinha recortado e colado bonitinho feito um álbum íntimo.

Enfim entraram no bar os amigos pelos quais ele esperava desde sempre e sorriu ao vê-los assim tão de pertinho. Trocaram beijos e abraços e se olharam e brindaram nem sentaram que em pé mesmo adiantava a saída daquele lugar. Em princípio as banalidades foram imperiosas como quando contou que mais cedo comeu pão duro molhado no café frio lendo Lavoura Arcaica e que amanhã seria seu aniversário e todos riram e disseram eba vai ficar velhinho emendando na história da prova aplicada horas atrás pelo coroa bonitão que dá aulas e joga charmes junto do conteúdo.

velho sim
não nego
que às vezes
sou cego
me entrego
ao meu ego
ou superego
ou alterego
ou como um bonequinho lego
me envergo
todo
bambu torto
feito prego

Refeito do trauma Ele seguiu os amigos em séqüito na direção de um prédio quieto e disperso de tudo onde se dispersasse a fumaça da fogueirinha que acenderiam para passar o frio de seus ânimos. As personas de Rui animaram o ambiente ou melhor construíram-se num palco livre que é viver e se exibindo foram remontando as peças de um quebra-cabeças gigante. A fogueira era eficiente e toda a cena lhes foi nítida como suas próprias imagens refletidas nas chamas e acessos de calor. Atrás de cada um havia várias sombras lhes servindo de manta e acima Dele que até agora não tem nome e isso pouco importa estava a lembrança da menina branca de neve de Gullar.

Em segundos segundo manda o manual estavam no quase avião que sobrevoava no automático de uma ponta a outra a baía. Ele pegou na mão de Soninha para lembrar que era querido e amado assim de verdade enquanto sorria e se divertia à véspera de quando nasceu. Ele então pensou no seu um quarto de vida e que dentro de um quarto de sonos deixou guardado dois terços de seus problemas e foi sair naquela terça-feira de julho atrás de algum sonho.

Na pressa do trânsito que sempre emperra seguiram a reta adiante num caminho distante. E longe no fim de tudo se via uma luz que sempre se renovava e teleguiava os pensamentos num só tempo de tantos movimentos. Era uma composição composta de olhares distantes e de bocas cheias de doces açucarados. Soninha e Rui estavam afastados e Ele segurava um livro entre as mãos e o guardaria depois entre as lembranças. Era noite bonita de lua e estrelas como em poemas ou contos ou no cinema.

Cenário: O céu, a lua e as estrelas

Homem: Veja como brilham!
Mulher: Sou cega!
Homem: Ouça como falam!
Mulher: Sou desatenta!

Cenário: A lua

Homem: Aqui estou!

Cenário: As estrelas

Mulher: ... são tantas...

Cenário: O céu

Lua: Veja como são fracos!
Estrelas: Que seja! A inocência está perdida!

O trem-de-ferro seguia pela linha férrea da vida Dele de volta ao passado e parou na estação daquele dia quando levou um soco bem no meio da cara só porque discordou sobre quem era o melhor de uma partida de futebol. O barulho que faziam as rodas do trem-de-ferro quando passavam sobre os trilhos o fez lembrar do zunir nos seus ouvidos depois da porrada em cheio do seu pai. Rui e Soninha riam abertamente em off da cena e Ele sentiu nojo de ser daquele jeito assim tão triste que feliz ou quase isso talvez fosse bem melhor até porque um dia foi e gostou muito de ser mas foi só um estado que não se manteve por muito tempo mesmo assim Ele queria aquela coisa efêmera e fundamental que chamam felicidade.

Rui e Soninha à frente Dele falando gesticulando rindo gritando dizendo desamarra essa cara porra fica bem caralho e tentando distraí-lo imitando quem desse na telha ou sendo uma coisa distinta de cada vez que a vida é mesmo pura representação. O banco era desconfortável pois Ele sentia dores na coluna desde o rabinho até o pescoço que estava quase endurecendo de tanto mal jeito que Ele tinha de sempre querer viver olhando para trás.

chegaram...
falaram...
andaram...
falaram andando...
pararam falando...
subiram bufando...
olharam os lados...
esqueceram algum...
esquecendo lembraram...
lembraram de olhar...
perguntaram...
foram andando...
debaixo dos panos falando e andando e chegando...
erraram nos planos...
chegaram acabando...
mas acabaram chegando pelo menos...

Ele agora sorria mais que o normal se bem que no caso dele rir pode ser algo anormal. Rui e Soninha beijavam e abraçavam pessoas sorridentes e alegres cheias de dentes e carinhos mas isso dispensa comentário. Era um lugar muito bonito e singular mas os filmes já haviam por lá passado e iriam aportar em outro lugar que o discurso nunca falha. Ele foi cumprimentado e até felicitado pelos anos que iria completar algumas horas depois.

Sujeito meio calado mais ouviu os papos e distribuiu sorrisos pros lados e assim Ele pensou que seria anônimo naquele lugar. Sacou da bolsa mais graveto e fogo para que uma nova fogueirinha animasse os ânimos dele e dos amigos mais uma vez pois não se pode perder a prática das coisas. Uns sentados outros de pé todos falavam incessantes um assunto atrás do outro recheados de tosse e algo mais provocado pela fumaça da fogueira que inha não era mais. Eram tantos nomes em tantos rostos que não há quem possa se recordar de todos assim do jeito que aconteceu mas de um jeito particular de ver e enxergar e perceber que tudo é percepção.

Pique:
Um dos tês quato cincu sez sete oitu nove dez-i-onze doze teze catoze .... vin... trin-trintedô... cem! Lá vou eu!
Alguém: Parti em busca do cativeiro e o calo da ponta do meu pé que ficou de fora do esconderijo revelou uma história inteira da minha vida...
Algum: O fio de cabelo conduziu muitos passos atrás no tempo e toda dor e todo sofrimento em que nem mais penso...
Ninguém: Esses tijolos uns sobre os outros estagnados num mesmo lugar inertes e entregues à ação do tempo erosivo que leva ao fim e não à transformação...
Nenhum: A moça branca de neve e seu andar de graça sem me cobrar nada em troca apenas ser do jeito que eu quiser...

Tudo acabado naquele lugar e outro à espera daquela galera que nunca se entrega e Ele gostando de ali estar. Atravessaram a rua com o peito mais estufado e mais amoroso guiados pelos passos de passeio de quem vagueia olhando para areia sem se preocupar com o mar. Nem se deu conta mas naquele instante o ventre já era passado e Ele veio à luz um cara daquele tamanho de muitos anos que útero nenhum pôde suportar até então.

Fim de noite em Nova Iguaçu baixada fluminense ver filmes que não viram mas assim mesmo se viram e foram vistos e ouvidos e o mais que seja que não se deve ficar teorizando muito a vida pois filosofia é dispensável ao viver. Na Kombi Ele sorria e cantarolava por dentro pensando na menina branca de neve que estava do seu lado. Rui e Soninha e Ele e a menina branca de neve do Gullar. Nos fundos de uma residência onde residia o vazio dos cômodos. Ouviram vou-me embora vou-me embora eu aqui volto mais não vou morar no infinito e virar constelação.

Ele deitou
...
, , ,
... ... ...
, ..., ..., ...,
...,...,...
,.,.,.,.,.,.,
..,. ,.. ,., .,.

Ela também

No final do dia que passou voando feito coisa qualquer que voa havia uma mancha acima da estação de trem que mais parecia um manto cobrindo a cama onde o sol que àquela altura já bocejava iria se deitar. E nessa hora Ele se despediu de todos e partiu com todos dentro dele no dia de seu aniversário depois que ganhou beijo da menina branca de neve e saiu sorrindo a caminho... assim foi o filme.


(julho de 2006)

domingo, julho 02, 2006

Antinomia


O cigarro
que se desprendeu
do meu dedo
do alto da varanda
foi se esparramar
sobre a mesa vizinha e
nesse instante
fitei o céu
para que lágrima e chuva
se confundissem
na sensação
estranha
de fraqueza
de impossibilidade
de me desculpar
por algo do qual culpa
tenho absolutamente nenhuma
e que se danem por isso
e pelo asceticismo hipócrita
tão volúvel quanto a fumaça
daquele cigarro que agora queima lento
e mordaz consumindo
todo tempo
enquanto há tempo
que aliás o meu
eu invento
tanto quanto tento
por se desprenderem de mim
tantos eventos
lembranças em movimento
ao embalo do vento
tudo lento
len-to
l-e-n-t-o
feito cigarro


(julho/2006)

Tenho dentro de mim um sentimento bom!

segunda-feira, junho 19, 2006

O cerrado que fascina

Lapsos de memória de uma viagem qualquer

Primeiro dia – 07:15 – acho que essa é a hora; nunca uso relógio

Tantos os amores
de todos
ainda penso em você

Minha alma tonta
desmancha
vendo o ardor se perder

Hoje quero tudo
amanhã posso não querer

Levo esse canto
sem rumo
já não consigo viver

Vem dançar meu samba
tão bambo
que eu insisto em bater

-- Diário de Viagem ou Diário da minha viagem --

07:30 – talvez...!

Acabei de compor um samba; bem, pelo menos essas são as palavras para representar o que fiz. Mas de qualquer modo, acabei de compor um samba, mesmo sem saber ao certo o que é uma composição; tão pouco um samba. Não que eu seja ignorante, apenas reservo a mim mesmo o direito à dúvida.

Tudo acima do meu potencial é um sonho que se realiza a cada instante do meu sono.

Por que não fechar os olhos e pensar no show da Ivete, na vitória magra (melhor ainda, raquítica) da seleção, na vida do meu vizinho, no presente que vou dar, nas leoas, na casa própria com carro zero na garagem, na salvação da minha alma, no rap do boldinho (fé em deus, dj!), no final da novela das oito, nas bolhas de ronaldinho, no cardápio de domingo,...?

...

Não!Definitivamente não! Meu caminho vou seguir até o fim! “Mesmo se for só, não vou ceder”. Minha coroa já vesti faz tempo e não saio de casa sem ela (ouvir Los Hermanos).

...

Ainda que meus olhos estejam fechados!

...

Nossa! Que vista!

07:30?

É sacanagem isso que fazem com meu coração. Não há um momento da minha existência que escape a minha reflexão. Ou há?

Menina morena

Escrever
Te descrever
Redigir
Te traduzir
Palavrear
Te expressar

Pensar
Te ter no pensar
Olhar
Te beijar de olhar

Letras
Sentidos de não-sentir

Te ver
(um prazer)
querer sem poder

Sorriso que venta ameno
pra fora de ti
pra dentro de mim
qual Brisa...
Mulher Bela

Esse poema já estava marcado na folha. Seria um sacrilégio da minha parte sacrificá-lo. Até porque ela era realmente Bela!

10: e alguma coisa!

O sol que ilumina, mas cega, apareceu; então pude notar que o resumo é a epiderme dos fatos.

Em alguma hora da BR-040

Às vezes acho que a vida toda é feita de frases de efeito.

Pela manhã do primeiro dia a banda tocou enquanto estávamos no alto de um morro constatando que nossos sonhos não são maiores que aquilo que nossas vistas alcançam.

Um pouco antes de dormir

Sinto no texto a prova da minha limitação. Fiz das dúvidas de Serzedas as minhas certezas. Em verdade, o espaço existente entre uma palavra e outra guarda um silêncio. E nesse intervalo mudo, me retorço pelas vontades e sentimentos. Em alguns momentos, para mim, é a falta, que tenho daquilo que deixei de ser, a minha ficção. Fora esse sujeito abstrato que paira feito nuvem, o lugar e as pessoas são muito bonitos.

Salva de palmas para a sintaxe do interior!

Já é hora de sonhar!

Amanhã os rios serão a hipnose!

Depois que muitos galos cantaram

Fui capturado pelo sonho, mas nem mesmo meu eu-onírico acreditou que tudo pudesse ser como antes. Foi então que densas lágrimas foram derramadas pelo pênis.

Um pensamento perdido no tempo proclama que o sorriso talhado na minha cara é uma máscara perdida em si mesma.

E como já disseram antes, muitos já estão mortos esperando o tiro de misericórdia que os liberte da agonia de viver.

Frases anti-cronológicas

O resultado não valeu o sacrifício!

É melhor nem ter opiniões, já que todas elas são induzidas!

Eu não sou, mas estou... sempre me renovando!

Último dia

Ontem as palavras sucumbiram frente a magnitude das telas que se iam pintando com os meus olhos. Hoje o sol só veio dar bom dia e se foi. Faz frio, é verdade. No entanto nada supera a temperatura glacial do meu coração. E não há chama que o aqueça ou que o faça virar cinzas.

Um pouco da minha ficção

Foi si imaginação. Ela em trajes de banho. Corpo molhado de rio. Sorriso no rosto, nos gestos e nos planos. E nada mais foi preciso, por mais impreciso fosse o meu desejo.

O que teria sido a noite de volta...

Iniciei-a de Itutinga a São João Del Rei. Quando aqui cheguei, não havia mais passagem. Pronto! Estou num quarto de hotel contando com a sorte que quase não tenho para voltar definitivamente daqui a pouco passando antes em Juiz de Fora e depois chegar em casa.

Tem um cara no quarto do lado e eu acho que ela vai chamar a polícia para me prender ou então o velho da recepção vai se esquecer de me acordar às cinco porque sozinho eu não consigo e aí eu não volto nunca mais que vontade não me falta.

O nome do hotel é Colibri e essa menção eu faço em homenagem a um amigo.

As memórias fotográficas se perderam por nossa falta de tato com a máquina e por isso o ícone está arruinado só restando o símbolo para contar os últimos dias quem sabe a vida toda de um cara que já não sou mais.

Poesia
divindade ou heresia
fervor ou agonia
ou porra nenhuma

Amanhã eu volto
ou melhor
mando outro em meu lugar

Nem sei mais se vou dormir.

O homem do quarto ao lado esteve a me observar. Estou apavorado. Sinto como se a qualquer instante ele pudesse varar a janela. E eu, indefeso, seria presa fácil. Vejo seus vultos aos montes. Acho que vou ficar acordado. Nem sei se o amanhã existe.

Acordei. Ou me transcendi na sua leitura.

Aqui, onde ninguém me conhece, ou aí, onde todos julgam me conhecer?

Enquanto não decido, fico à margem!

Fim da viagem!

(Junho de 2006 – Fábio Fonseca)

terça-feira, junho 13, 2006

Camuflagem

Já que toda unanimidade é burra, segue uma segunda opinião sobre a copa do mundo de futebol; texto de um aluno meu do 3º ano do Ensino Médio!


É só de quatro em quatro anos
As bandeiras vagabundas são vendidas como água
Fitinhas de plástico baratas
Tinta verde e amarela pra pintar a cara

O patriotismo toma conta da nação que é penta
Beleza!
O fogo do amor à pátria se ascende avassalador
A devoção ao país faz lágrimas serem vertidas
E é só de quatro em quatro anos

Neutralização
A venda é a flâmula verde e amarela
A mordaça é o grito de gol
E o brilho dos nossos heróis multimilionários ofusca a miséria

Celebremos as contas não pagas
Celebremos a saúde e a educação
Celebremos a fome e a babaquice disfarçada de revolução
Em frente à TV e com a cerveja no copo, as mazelas se vão
A luta se torna ainda mais desnecessária e a reação obsoleta

Não sou “patriota”
Atônito e impotente me vejo
Imóvel, apenas um grito abafado deseja sair do meu peito
Vai PUTA de chuteiras!!!

(Levi Santos)

domingo, junho 11, 2006

Poema sem sentido II


Eu só quero saber até quando vou ter de continuar
falando e cuspindo
sempre a mesma coisa
na cara de vocês
um dia sim
hei de me conquistar
e não mais precisarei
de muletas ou
cadeiras ou
guindastes ou
ajuda dos deuses todos
que não existem
para me sustentar
me levar
suspender
ao céu
nuvens de algodão
encharcadas de álcool
e esticarei meu dedo
com o fósforo cabeça vermelha
incendiando aquilo
que alguns
acreditam ser o andar
de cima dessa existência
orgânica finita

Eu só quero saber até quando meu gozo maior vai continuar
sendo ridicularizar
a ignorância alheia
que modéstia à parte
faço bem
né seus impermeáveis (?)
como dizia a dondoca de saltos
que ensinava educação
mas já tô um tanto enjoado
de ser assim
então muda você
coisa ruim
ou se muda
mas não fica aí
com essa cara
essa lata
essa carcaça
esse merda de vida muda

Eu só quero saber até quando minha paciência vai continuar
agüentando
esse seu pranto
pela perda de um torneio esportivo
ou então
a sua comoção
diante das divindades
ou quem sabe?
sua facilidade
em vomitar equívocos em demasia
porque já não cabe mais
meu saco na minha cueca
de furinhos
e nem mesmo uma ceroula
extra-grande
seria capaz de suportar
tamanho fardo

Eu só quero saber até quando vou ter de continuar
inventando
um jeito novo
o óbvio e ululante
do absurdo inegável
dessa massa de farinha
de trigo
com gema
que não dá liga nem fodendo
como diriam os paulistas
que agora sofrem
ou se divertem
ou se pervertem
no meio das matanças de esquina

Eu só quero saber
por último
se o último
da fila
não quer me escutar
pelo menos uma vez na vida
nem que seja a última
que meu amor
como tudo que é dor
acabou
e agora me sobrou a vida

quarta-feira, junho 07, 2006

Poema sem sentido


Nessas horas
eu sempre me lembro
da moça toda vestida de branco
que vinha pra cima de mim
dizendo
calma meu amor
é igual a picadinha de mosquito
e pronto
a vacina já estava aplicada
e eu já mostrava meu sorriso
desfalcado
provando
que já esqueci
pra sempre
você
e na próxima vez
vou ficar sentado
esperando a vontade frívola passar
sem precisar
expor de novo
meu lindo bum-bun-zinho
que já não agüenta mais
tanta marca de pé
até porque é melhor
ficar
permanecer
no texto esse
sentimento tão perigoso
amor
que chamamos
e um dia
a moça de branco
vai voltar e dizer
abre a boquinha ou o cu
e vai empurrar
como fizeram com lauro
uma gosma nojenta
e já vou saber
que o fim chegou
e assim serei
pra sempre
um final
no meio
de tantos inícios
e outros finais
sem finalidade alguma
certo de que nada
de fato
aconteceu

segunda-feira, maio 29, 2006

Aula de português ou A sintaxe do coração

Este texto eu dedico a quem eu nunca pude dedicar publicamente, apenas contava com o anonimato e assim permanecerá! Absurda contradição!


Lancei-me para fora de mim

Nada nele negava seu estado de desconforto. Mãos, braços, tronco, cabeças, coração denunciavam as idéias em baralho. Iniciou com o seguinte desejo:

“Eu quero a classificação sintática do enunciado Vivo a espera”

Já foi meio estranho, pois fugiu muito da sua postura como Professor. Mas enfim.

O silêncio aplainou-se como quis. E a irritação do corpo tinha então sua vez. O Professor coçava o coro cabeludo meio atônito. Enfiava e desenfiava as mãos dentro dos bolsos. Lia papéis em lances de olhar.

“Alguém pode responder?”

E nada. Alguns cochichos se iniciaram. E logo estava um barulho insuportável aos ouvidos sensíveis de qualquer um.

“Silêncio, porra!”

Não que os ouvidos do Professor fossem sensíveis. Mas neste dia, ele mesmo estava terrivelmente sensível.

As bocas se calaram. O Professor pode então organizar o seu pensamento.

“Pensem comigo, ou por si mesmos...”

Aquela pausa renitente em seus discursos.

“Conheço uma mulher. Ela diz que me ama. Eu aceito de bom grado esse amor. Amo também. Nos amamos. Tantos amos desse amor. Muitos amos de um amor só. Amo um amor só. Só amamos um amor sem amos. É o amor!”

A turma inteira em parafusos. E a irritação do professor era verborrágica.

“Mas o amor se vai. Vai envaidecido de si mesmo. Vai apodrecido pela não. Vai aquecido de saudade. Numa via sem mão vai. Quem te via domingo se vai. Foi. Já se foi e nem presente existe mais. Nunca mais vai. Mas sempre se terá ido!”

...

“Eu quero a classificação sintática de Vivo a espera”

...

Não demorou muito e se ouviu a primeira manifestação.

“Você está maluco, Professor?”

Risadas foram arrancadas dos outros alunos. Mas uma porrada com o apagador no quadro-negro pôs fim à festa.

“Sim, meu amigo. Sim! Loucura é o nome exato. Aliás, me chamem de louco daqui a diante. Sou o tão insano quanto acharem que sou. Loucura nem é pecado. O paraíso é dos parvos”

Irritação. Aquele era um dia difícil na vida dele. E os alunos nem mesmo sabiam análise sintática. Muita coisa tinha de ser explicada. Talvez a sintaxe da vida.

“Que devo fazer pelo amor que se foi? Vivo a espera? Ou vivo a espera? Esperar enquanto vivo? Ou viver enquanto espero? Qual é a classificação sintática? Espero a resposta enquanto vivo? Ou vivo sem resposta enquanto espero? Eu quero!”

Irritação? Talvez mais que isso.

“Já sei Professor, já sei”
“Então me diga quem vai me dar a classificação sintática de Vivo a espera”
“É uma menina da série inferior que dizem que é muito inteligente”

Voltei para dentro de mim

Vivo a espera.
Vivo – núcleo do predicado verbal; a espera – objeto direto de vivo; objetivo.
Sujeitos ocultos.
Vivo a espera.
Vivo – núcleo do predicado verbal; a espera – adjunto adverbial de vivo; maneira.
Estados emotivos da alma: ora gozo, ora choro.

Conclusão lógica da análise sintática: vivo a espera!

sábado, maio 27, 2006

o que você procura aqui se encontra ao fim destas muitas outras palavras

Retornei na companhia de Pessoa
cruzávamos uma perigosa via
todo meu ser mergulhado na inquietude da imobilidade do corpo
no entorno o vazio absoluto do silêncio
as dores em festa
dançantes
provocantes
pululantes
... irritantes instantes
os olhos se recusam a fechar
meus sapatos, gastos
minha calça, rasgada
minha blusa, manchada
bem no meio do peito
bem no início de mim
minha alma, abstrata!
o fino barbante que me sustentava se partiu
mas as lágrimas estavam contidas
minha doce tentação
o risco iminente da venenosa viagem venosa
algumas palavras
o não sentir
lembro da boca
do hálito
do beijo
não mais que lembrança
é tão distante
nosso prazer
o acre sabor da perda
a nostalgia da glória
emaranhado de pensamentos atemporais
uma abismal sensação de perda
e Pessoa, a minha companhia
o dedo que toca na ferida
que cicatriza pela dor
relatei quanto pude
virei a página
e me dei de cara com o espelho negro da memória cheia de histórias

(A Tristeza que me dá ou Apenas um momento)

segunda-feira, maio 22, 2006

A vida em devaneio ou o amor é demais para a razão

Eram tantos os pássaros que rodopiavam no céu
Negros
Que meus olhos acompanhavam
Úmidos
Por entre o verde-musgo das árvores

Do alto desprendia-se uma lágrima
Solitária
A distância sempre me corrompe
Fraco
Já devo mais do que podia

Sou completamente exagerado
Gosto dos meus dedos lambuzados
Aguardando minha língua
Guardiã dos meus sabores

E estava cinza o céu acima de mim
Feio
Espaço ilimitado sem astros
Buraco
Vazio no horizonte do coração

Um rosto em tom avermelhado
Lindo
Rompeu o marasmo das nuvens
Densas
E uma ponta de luz se projetou

Não consigo interromper o choro
Falta-me sei lá o quê
Impossível represar os sentimentos
Sinto falta e choro

O vento revolve os nimbos
Pardacentos
No pedaço de papel a palavra
Única
A forma é o castigo da matéria

Domingos e domingos e domingos
Santos
A fuga de dois amores
Anjos
Encontro de olhos rutilantes

O beijo da partida chega cedo
Acelero entre carros e pessoas
Querendo voltar ao começo
Que ainda não aconteceu

Faz tempo, nem eu desconfiava,
Tento
Mas não consigo assim tão fácil
Durmo

Monto num cavalo-alado
Disparo
As nuvens são a meta desmedida
Universo

É que não sei o que vai ser
Que não me canso em te querer
Que faço tudo pra te ver
Que rodo o mundo pra te ter

E no fim tudo é metáfora
Hipérbole
Pessoas não passam de prosopopéia
Ironia

O amor é antítese em Camões
Fogo
E eu sou uma silepse da vida
Aparente discordância

Rasgo em prantos meu viver
Sempre espero por você
Tanta dor a se temer
Mais sentir do que viver

São poucos os pássaros
Que agora rodopiam no céu
Estão no chão em pedaços
Não são mais negros

Quero minha coroa
De espinhos
De lágrimas
De sangue
De saudade
De travessuras de menina
De detalhes
De poucos olhares
De muitos beijos
Quero já!

Perdoa, perdoa esse coração que pulsa
Esse amor que luta
Essa dor resoluta
Perdoa se te quero sempre mais!
Se for capaz
De me arrastar pra dentro de ti,
Lá ficarei!

Dentro da noite veloz, só o amor pode fazer o tempo parar! O céu já se transformou a essa altura das minhas palavras! Quero mais que posso, posso mais que imagino, e imagino que amo! Poema, menina! Poema!

sexta-feira, maio 19, 2006

Poema de amor

Que bom seria se eu nem precisasse abrir minha boca
E tu percebesses nos meus olhos distantes a tua proximidade,
Se pudesses notar minha angústia.
Meu sorriso abobado. Sim!
Abobado, sim!
Expressão da minha serenidade.

Poderão os homens todos do mundo zombar de mim,
Mas sentir meus prazeres, nunca.
Poderão ser indiferentes,
Que o mundo inteiro o seja,
Porque não sou.
Que bom seria!

Queria acordar contigo do lado e pentear teus cabelos com o olhar,
Ver teu rosto mudar de feição a cada cena do teu sonho,
Imergir na intensidade do momento.
Abstrair-me da razão.
Porque se me faltam palavras,
Abundam em mim os sentimentos

E sabes disto... e sentes isto.
Que faço agora?
Não são todos estes símbolos palavras?
Não lhe apontam o caminho do que sinto por ti?
Não dizem todas elas juntas que te amo?

Que bom!

Ter você como horizonte,
E mesmo diante das curvas da tortuosidade
Sorrir – gratuitamente.
Delicioso quando de dentro do rio escuro da minha mente
Tu saltas para dentro do meu barco!

Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta-menina
Nós escondidos
Nas sombras da esquina
Vivendo essa palavra pequenina!

Amor!

quarta-feira, maio 17, 2006

Relato de um novo amor

Escritora Inglesa
vou com ela Rumo ao Farol
não é uma merda não
a solidão é um exercício
já vi gente demais na vida
além do mais...

Quando se diz que palavras representam a realidade
quer dizer que elas não o são
mas uma aparência
não uma essência
a palavra pode criar um mundo que não existe
e fazer dele real
subverter o que há

Quando te vi, caminhando, leve sobre os dedos,
um anjo desses que vendem em camelôs
disse:
“Deixa, Fábio, ela ser menina”
eu te vendo passar, agitada, alegre
é bonito ficar te olhando

Muita vontade de olhar para ti
teu rosto ainda é uma incógnita
só vejo de longe
e na estaticidade e marasmo das fotos

Pode ser que a gente nem sinta atração um pelo outro
pode ser que o cheiro não agrade
pode ser que tudo dê errado

Mas no fundo no fundo, independente da ruína de qualquer castelo...
quero viver isso!
ou melhor, estou vivendo!
e não há o menor sinal do sopro
e nenhuma nuvem se encaminha com a gota torrente

Eu fico te olhando
nas poucas vezes que te vejo
com precisão
e vou fazendo um desenho do teu rosto
com o meu olhar
que vai mandando para memória
seu retrato
de frente
de lado
do meu lado
sem forma
e nunca fica do jeito que é
sempre há uma mudança
quando consulto
o álbum da minha lembrança
mas você está sempre lá
isso é engraçado
porque faz bem recordar
você que é linda!

Passei em frente a tua casa ontem à noite
quase joguei uma pedra na vidraça
mas temi errar o quarto
então passei
nem quebrei
nem chamei
só pensei
e foi bom
isso só pode ser amor!

domingo, maio 07, 2006

Anatomia literária do Homem

Os homens e seus carros
e seus rastros
e seus mastros
tombados, quebrados

Os homens e seus instantes
e seus semblantes
tão replicantes
Estanques, distantes

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e suas bebidas
E suas feridas
Pessoas perdidas
Moribundos, sem vida

Os homens e seus carnavais
E seus arraiais
Cegos demais
Ninguém é capaz

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e suas medidas
Atitudes fingidas
Vontades iludidas
Escolhas ruídas

Os homens e suas carícias
Tão caras delícias
Cheias de malícias
Razões fictícias

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e o seu dinheiro
Seu bote ligeiro
Nenhum companheiro
Sozinho, solteiro

Os homens e seus amores
Campo vasto de flores
Que se desmancha em dores
Emoções tão incolores

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e suas picuinhas
Feito galos em rinhas
Por alegações tão mesquinhas
Tão inhas

Os homens e seus destinos
Seus olhos de meninos
Desejos pequeninos
Assim tão libertinos

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Os homens e suas crenças
Tão pouco intensas
Só mais pretensas
De ofensas, sentenças

Os homens e suas críticas

Opiniões fatídicas

Os homens e seus negócios

E seus imbróglios

Os homens e seus bens

De que são reféns

Que merda os homens
Que homens tão homens

Os homens e seus sonhos
Estranhos
Em rebanho

Um homem assim tão manco
Assim tão bambo
Segue o balanço
E pega no tranco

Ou deixa o motor morrer de pranto

sábado, abril 29, 2006

No bar

Cheguei
Depositei minhas chaves
O maço já estava amassado
Algumas moedas rodopiavam em torno de si mesmas
Como a terra, a própria terra de moedas
Num assento pousei meu rabo
Trouxeram-me bebidas
Acendi o primeiro
Li um pouco
Reli minhas páginas em branco
Tentava, mas não conseguia
Um sujeito acenou com a cabeça
Fingi não ver
O copo já estava quase vazio
As provas descansavam sobre a mesa
Vozes ressonantes de trás pra frente
Nas costas
No entorno mais frágil de mim
Paguei caro
Dois e vinte
Muito caro
Onde estará?
No leito do sono
Ou no regato do sonho!
Lá vem vindo mais alguém
Estranho
Eles vêm e se vão
E se vão... e se vão
Primeiro intervalo
A cascata de urina
Mais uma
Nunca uma basta
Acendi o segundo
Brasa forte queimava meus pensamentos
De lado a outro
Um ser mitológico
Meio homem meio moto
Zanzavaeziguezagueava
Um cheiro de carne
Eu cheio de fome
Onde estará?
A terra de moedas é tão grande
Chacoalhei minhas chaves
Reli
Algumas páginas eu pulei
De propósito
Fiz gabaritos de sorte
Homero
O frango no espeto
A mesa era verde
O assento vermelho
Quase perpétuo
Onde estará?
No leito do sono
Pensei em sair
Mas desisti
Acendi o terceiro
Amargo acre desgosto
Parafraseei meus planos
Parodiei minhas derrotas
Ridículas
Pedi mais uma
Gelada
No céu havia o céu
Mais nada
Segundo intervalo
No embalo
É amarelo o líquido
Tumulto alarde alvoroço
As provas estavam todas ali
Onde estará?
Sabe-se lá
Sente-se aqui
Sinto-me aqui
Sinto-me lá
Sento-me cá
Paguei caro
Dois e vinte
Tudo em trocados
Sorvi meus sonhos
Lá vem ele mais uma vez
Monstro mitológico
Quero escrever, mas não posso
Preciso viver
Uma das vozes me lembra
Ressonância
Um eco na minha lembrança
Um beijo
Um toque
Um trejeito
Onde estará?
Ah!
Não é só deus que se esquece
Um milagre por favor
Não há motivos
Empunho a caneta
Tomo à frente o papel
Perfuro
E o sangue escorre
Pelos dedos
Pelos medos
Que instante
Que já se foi
Que não é mais
Adeus à terra de moedas
Acendo o quarto
E peço mais uma
Mas antes mesmo
Confesso
Em silêncio
Meus afetos
Onde estará?
Onde será?
Quem a terá?
Por que os gabaritos?
Não são todos iguais?
Guardei-me do mal
Lembro de versos
Mas não converso
Sou mudo no mundo
Imundo
Moribundo
Cessaram as vozes
Paguei caro mesmo
Dois e vinte
Cadê a próxima?
Essa abstração
Mero discurso
Só tenho o agora
Parti
Sei lá pra onde
Mas fui
Olhos estático-lunáticos
Variedade homogênea de si
Disperso
Depois desperto
Não sei se está
Deixo a guia me levar
Na profusão da vida.

quinta-feira, abril 27, 2006

Uma pequena história de como pode ser o amor

Para Carlos Henrique dos Santos e sua indomável...
Colaborou Ana Macarena Suarez

I. crise das vontades e desejos

Há dois dias, Julia tinha retornado de sua viagem à Espanha. Aquele pedaço de terra entre o Mediterrâneo e o Atlântico representou alguma descoberta importante para ela. Até então, desde a sua volta, não viu Pedro. Um jantar marcado para aquela noite seria o evento do reencontro.

O olhar de nostalgia recente talvez entregasse Julia. Uma leve lembrança com sabor ameno e gosto de puchero. E um medo terrível de encontrar Pedro sem saber como dizer a ele...

O relacionamento entre os dois já durava uns cinco anos. Estavam bastante próximos de se tornar uma instituição. O casamento vinha sendo preparado pelas suas famílias à velocidade que as aparências permitiam. Pedro era um bom partido. Formado em Odontologia, consultório próprio... um belo futuro, por mais que o amanhã fosse pura especulação.

Eles eram um casal que se pode chamar de bem encaminhado. Julia havia estudado Artes. A escolha profissional errada, como sempre salientava seu pai, seria compensada pela predileção sensata do noivo.

“Toma aqui, mamãe. Trouxe pra você. Esqueci de entregar e agora, arrumando as coisas, eu encontrei”.
“Brigada, filha! El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha”.
“Esta é uma edição de mais ou menos 1705, exatamente 100 anos depois que Cervantes o publicou pela primeira vez. Arrematei-a num leilão de livros antigos”.
“Nossa, filha! Deve ter custado muito...”
“Que nada! O leiloeiro trapaceou nos lances pra me favorecer na hora das ofertas”

Quando saiu de Madri, no centro da Espanha, Julia cismou de conhecer Toledo, pequena cidade que um dia havia sido capital do Reino de Castilla. Como uma urbe desta era pós-moderna, cheia de influências distintas, formando o hibridismo enquanto característica fundamental do meio e das pessoas, – quase esquizofrênicas – Toledo reunia marcas de inúmeros povos que já a haviam conquistado, ou por ela haviam sido conquistados – não se sabe... a história oficial é só mais um texto.

Em apenas um dia, Julia pode conhecer aquela terra dominada por um passado e história confusos. Banhada pelas águas escuras do Tejo, a cidade-fortaleza parecia se proteger do resto do mundo com suas imensas muralhas: “urbs parva sed loco munita”.

Enquanto caminhava pelas vielas acanhadas e sinuosas da cidade, Pedro sempre vinha à mente de Julia. Ela estava um tanto quanto assustada com a idéia de ter de casar com ele após seu retorno. Sentira dentro de si que apenas o costume dos anos não bastaria para sustentar o matrimônio. Mas estava disposta a fazer a vontade dos pais, sacrificar-se, morrer antes do fim da vida.

Porém, andar por aquelas ruas conduzia Julia a um estado diferente. Entre os prédios pequenos e ancestrais, seu ânimo se reconfortava, sentia um ar de tranqüilidade.

Passeava por sobre os caminhos de paralelepípedo como que a contar cada pedra que seus passos iam seguindo. Um por um. Julia se libertava das suas angústias, das incertezas, dos labirintos que haviam sido construídos dentro dela. Ou pelo menos se esquecia deles. Talvez um pouco embalada pelo tom cambaleante das taças de vinho que tomara numa cantina qualquer daquelas.

“Oi, meu amor! Estou ansioso pra te ver hoje à noite”.
“Logo as horas passam”
“Que você tem feito, Ju?”
“Nada. Tenho separado a roupa suja da viagem pra lavar”
“Você sabe que eu te amo, não sabe?”
“A gente se vê... beijos”
“Passo na tua casa no cair da noite”

Talvez não suportasse a combinação de resultados, talvez fosse incapaz de obedecer aos passos tradicionais de sua família. Começava a se questionar se conseguiria viver a vida inteira portando algumas máscaras ocasionais, sem poder, como em Toledo, estufar o peito e respirar com prazer o combustível adocicado da liberdade. Nem mesmo sabia o que era ser livre, por isso não se empenhava, por isso ainda se perguntava tanto. Tudo estava agora embaralhado. E ainda por cima, sucedia toda aquela história da Espanha, de Toledo e sua catedral gótica.

Julia desligou o telefone com ar evasivo. Começou a constatar que não queria ver Pedro naquele dia, nunca mais. Um desprezo pelo noivo, misturado às frustrações, arrancou dela lágrimas que vinha de suas zonas viscerais. Ela arremessou o corpo contra o colchão já velho, escondeu a cara molhada do mundo. Sentiu uma vergonha imensa diante daquela situação toda.

Levantou-se para olhar a vista da sacada do seu apartamento. Sentiu uma intensa ligação com as nuvens cinzas carregadas que se precipitavam bruscamente ao chão, inundando as valas já saturadas das avenidas. Seu pranto aumentou e ela tinha a sensação de que dos seus olhos vinha a razão para a chuva que caía no lado de fora... dela, do apartamento. Lembrou, assim, do dia em que esteve em Toledo, do instante em que fora surpreendida por uma garoa fina que pendia sobre a sua cabeça, lembrou do cabelo orvalhado de um menino que brincava de esconder-se de si mesmo.

Duas sensações tão distintas. Um mesmo episódio e uma multiplicidade de sentidos. A chuva que afoga refrescando suavemente as dores. A enchente de angústias, frustrações, incertezas paradoxalmente acalentando Julia, saciando a sede. O vinho, as ruas, o Tejo. O quarto, o claustro, o compromisso. Uma Julia mais Julia do que nunca, liberta. Outra, aprisionada, sedenta de se permitir que a vida lhe saltasse dos poros.

“Alô?”
“Oi, amor... pode descer, estou esperando por você...”
“Tá bom... já vou...”

Despediu-se dos pais com o rosto ainda úmido – um tanto amassado – e acionou o elevador. Ela não sabia se havia feito Pedro esperar muito. E toda espera, Julia associava à prisão.

Por que se importar com a espera de Pedro? E o que ela mesma aguardava da vida?

Ao entrar no elevador, um casal de anciãos lhe sorriu. Ela acenou com a cabeça enquanto os observava de soslaio. As rugas ganhavam a atenção de Julia com enormidade. Quando saltou do elevador, despediu-se do ascensorista... despediu-se de Pedro?

II. encanto

Julia estava em frente à catedral gótica de Toledo. Sentiu-se insignificante. Já dentro do templo, a Maja Desnuda de Goya contemplava seu medo, ao mesmo tempo em que a inquiria sobre seus próprios e mais íntimos desejos. Onde estaria aquele leiloeiro? Aquele louco de cabelos longos e olhos oblíquos.

No caminho pelas obras de Goya ainda foi arrebatada pela fome insaciável de Saturno, que de dentro da tela devorava seus filhos, devorava quem os assistia, devorava Julia... primeiro a cabeça, a razão inteira, depois o corpo, a libido e a vontade reprimidas... as mãos daquele deus apertando as entranhas dela... as pontas dos dedos enterradas na carne... dor e amor.

“Hola!”
“Dios mio!”
Julia se assustou.
“De ningún modo... dios de lo tiempo”

O rapaz. O louco leiloeiro que tirara o sono de Julia.

Saíram os dois. Caminhavam em silêncio enquanto tentavam desvendar os pensamentos um do outro. O leiloeiro de livros elogiou o sorriso de Júlia. Ela apenas confirmou a gentileza esticando a pele do rosto, dando lugar aos dentes pequenos, quase de criança, o nariz que se franzia e os olhos apertados. Sentaram-se então à porta de uma adega e pediram o cardápio. Nenhum deles parecia certo do pedido que iriam fazer.

“Contame,quando volvés a tu casa?”
"No sé muy bien, queria quedarme un poco más ..pero si vuelvo me caso"

O leiloeiro voltou seus olhos para as colunas que se erguiam para sustentar as marquises de um prédio à frente. Pensou como seria se aquela marquise não tivesse as tais colunas... em como poderiam se manter paralelas ao chão daquele jeito tão harmônico, numa sincronia que no segundo olhar já se transformaria, no entanto em monotonia. Por que não podiam ser arrebatadas pelo vestíbulo? Enquanto um sustentava o outro, em algumas oportunidades eram agraciados pela sombra.

“No vuelvas, quedate en España”
“No sabés lo que me estás pidiendo”
“Y vos sabes exactamente?”
“Tengo!”
“Si tuvieras,te quedarias”

Ambos se cercaram de censuras. Contiveram as palavras. Entregaram-se apenas aos pensamentos quase solitários, mas que muitas vezes se encontravam ao acaso, assim como acontecera com seus corpos. Porém esse embate de idéias, com forma de fantasia, de devaneios, tornava a situação mais delicada. O leiloeiro se arrefecia com o temor da partida de Júlia. Esta se aquecia enquanto podia naqueles dias em Toledo. O resto de vida depois de seu retorno poderia ser um longo inverno, em que cada folha seca de sua árvore iria aos poucos se desprendendo dela, sem nenhuma chance de ser tornar outra vez uma copa de felicidades e prazeres.

“Entonces andate, volvé, porque nunca viniste... y si voniste, viniste con tán poca fuerza que ni noto tu falta quando te vayas. Tengo mis planes, que puede ser que no funcionen, pero igual los hago de vuelta...”
“Vos no entendés”
“No, Julia, vos sos la que no entendés... o queres otro entendimiento de la situación... siempre tenemos otra salida!”

III. desencanto

Julia tomou o caminho da entrada de serviços. Quando estava já na calçada dos fundos do prédio, olhou em muitas direções, até tomar, nem sabia porque, uma delas. Seu rosto empalidecia a cada passo apressado. Ninguém a entenderia... seu pai, Pedro e nem mesmo sua mãe.

Ela percorreu três quarteirões e certamente não tinha ainda um destino. Onde está essa outra saída que ele me falou? Eram ruas paralelas, perpendiculares, fechadas, sinuosas... mas qual era a referência? Parou em frente a uma loja de vestidos e roupas de traje fino. Admirou-se com um vestido sem decote algum, de cor cinza, alguns detalhes em linhas tracejadas pelo tecido, que parecia ser de seda. Pôs as mãos sobre a vitrine e deixou-se escorregar lentamente até sentar-se no chão, como um cadáver, que nem mesmo era notado pelas pessoas.

Casaram-se alguns meses depois deste dia.

“Já que não pude negar, deixo então a morte nos separar...”

IV. desencanto e encanto

“Y ahora pongo otros livros en remate... preparen sus lances, porque ahora solo vendo al que pagar el mejor precio”

Mas antes mesmo de iniciar o pregão sobre a obra, uma outra mulher já o arrematara.

(Fábio Fonseca - 2006)

domingo, abril 23, 2006

Ensaio sobre a alienação

BEM... UM POUCO DIFERENTE DO QUE TENHO PUBLICADO AQUI, ESSE TEXTO É UMA... É... BEM, DEIXE-ME VER UM ISNTANTE... É... Ô, MÃE, QUE QUE É ISSO AQUI, HEIN??? É... AH, LÊ AÍ E DEPOIS ME DIZ...

Podemos chamar de ensaio. Podemos chamar também de desabafo. Pois aquilo que aqui será escrito talvez não possa ser chamado, ao pé da letra, de ensaio. Tudo que aqui for citado não respeitará nenhuma convenção, não se enquadrará em padrão algum, nem em norma qualquer. O academicismo, na maioria dos casos, tão somente obscurece o pensamento.

Quanto ao caráter, quanto à natureza desse pensamento que pretendemos expor, também estamos avessos a classificações. Seria filosófico, pois? Não se sabe. Fiquemos apenas com esta dúvida. E todas aquelas que por ventura vierem a brotar de todas as leituras possíveis.

Quando considerarmos conveniente, forneceremos as fontes de influência de nosso discurso. Noutras, porém, negligenciaremos, ou por propósito qualquer, ou por simples falha de memória. Além disso, o texto não é outra coisa senão o ponto de encontro de inúmeros discursos, seja atribuído a ele ou não uma autoria que seja.

Até então, nem mesmo tocamos no ponto nevrálgico do debate, ou do desabafo. Discutiremos a tão latente questão da alienação. Esta palavra tão corriqueira. Tão oportuna nos discursos acalorados. E talvez de tão banal, deslocada de seu centro específico. Se é que tal afirmação pode ser feita. Afinal, a palavra é signo ideológico.

Apenas para nos situarmos dentro desta questão complexa, poderíamos discutir, anteriormente, as acepções mais comuns do termo: transferir a outrem; ou quando com o acompanhamento do pronome, endoidecer, enlouquecer, desvirtuar-se; ou ainda afastamento, separação. Sendo assim, se torna tarefa das mais complicadas analisar tal ponto, uma vez que sua dimensão significativa é ampla.

Mas nos chama mais atenção um sentido recente que se pode perceber nas vozes de contestação. E que se associa a outro termo conhecido da academia, e polêmico, é verdade: massa. São ouvidas aos quatro ventos expressões do tipo: as massas alienadas, alienação das massas,... de fato um bicho enorme, tamanha a generalização de tais afirmações.

Quem é a massa? Ou, de que é feita a massa? Bem se sabe que as de bolo são verdadeiras misturas de farinhas, ovos, leite e mais alguns ingredientes. Então são todos eles alienados? E se a massa é realmente alienada, que seria então o recheio do bolo? Como ficam as infinitas coberturas, todas com seus ingredientes específicos?

Como podemos ver, a culinária é uma ciência muito complexa.

Se afirmarmos que a massa está alienada, subentende-se um discurso produzido na terceira pessoa. Ou seja, aquele que fala se distancia daquilo que fala. Ou seja mais uma vez, quem fala não é massa. Será? E se não for, quem seria o quem fala, especificamente. Um super-herói moderno de ideologia deturpada?

Seria então a alienação uma ação involuntária, ou uma fraqueza daqueles que não nasceram predestinados ao senso crítico individual? Seria, talvez, a demonstração mais cabal do estágio de auto-indução descrito por Freud? Quando o intervalo entre a consciência e a subconsciência torna o mundo onírico o mais possível? Será por essa razão que as propagandas publicitárias funcionam tão bem?

Realmente isso aqui não é um ensaio. Não resistiria a uma olhadela de um orientador da academia. Mas isso pouco importa. Pois vamos sustentar a dúvida. Não estamos atrás de uma verdade.

Um sujeito que entra na universidade, por exemplo. Poderíamos tomá-lo como um espécime perfeito da evolução intelectual? Aquele que se liberta da condição de massa e atinge o nível do recheio do bolo? Pois bem. Talvez não. E porque a estatística é “carrasca” nas mãos de quem a manipula, podemos ver nesse seres teoricamente em evolução a prova real e mais assustadora da regressão.

Pensemos na biblioteca, por exemplo, aquele empírico hotel de traças. Até mesmo os que costumam freqüentá-la – referimo-nos agora a pessoas – recebem tal alcunha. Lá se concentram textos, palavras em ordenação, que talvez provoquem a desordem que tanto necessitamos. Que poucas vezes se transformaram em discurso. Permanecerão na inutilidade e esterilidade do texto em hibernação.

O mais comum é que um estudante a visite (a biblioteca) dentro das suas obrigações de pesquisa, alimentadas, em sua maioria, por uma ambição intelectual do professor, e não do aluno. Seria isso um exemplo de alienação? Isto põe a teoria primeira da evolução ideológica em xeque? Talvez.

Concretamente, estes alunos preferem ter em suas cabeças o rap do boldinho e não o caminho da introspecção até se atingir o farol, da Virgínia Woolf; preferem o pagode de sábado à discussão sólida e bem fundamentada da relação entre comunismo, capitalismo, emoção e razão de São Bernardo; preferem ser Sanção, ao invés do burro, de Orwell; preferem o vôo ao espaço de Marcos Pontes que a viagem ao inferno da vida de Álvaro de Campos.

E pasmem, religiosos, preferem até mesmo a taça da copa do mundo, cheia de ouro e glamour, ao humilde santo graal. Nada se torna práxis sem uma dialética. Então, qual seria o papel dos alienados nisso?

Pensamos que isto aqui mais parece um desabafo mesmo; e como todos, este termina sem um desfecho. E o desabafo é uma atitude quase insana, quase enlouquecida, quase endoidecida... quase alienada, não é mesmo?

sexta-feira, abril 14, 2006

Tudo que sempre quis escrever ou todos são idiotas

Tudo que sempre quis escrever ou todos são idiotas

São oito horas da noite. Estou em frente ao computador enquanto penso num conto. As teclas parecem desafiar meus dedos na busca por uma palavra que seja. Acesso a rede mundial de computadores. Tenho agora, virtualmente, o mundo inteiro ao meu dispor; o controle total do planeta que me cabe; na minha infância a bolinha de gude era o globo em miniatura, agora ele possui formato de tela.

Já incluído e inserido digitalmente, confiro recados, envio mensagens, mas o texto em si eu ainda não consigo iniciar. Parece que não, mas em meio a uma série de informações me vejo dentro de O Grande Ditador, com aquela bola pra lá e pra cá, Hitler e seu brinquedo bola, Chaplin e seu brinquedo Hitler... mas texto eu ainda não comecei.

No programa – engraçada essa palavra, não é mesmo? – de relacionamentos, apenas possíveis, leio frases. Transa eh arti, gozr fz parti, engravidr eh modah, axumi o filho q é phoda!! Por que será que se chama programa? Por que está tudo programado? Alguém aí perdeu o chip da dedução óbvia? Que frase maneira. Inspira o inspirável... programa. Que dizer então do texto que não consigo?

Penso na Beth. Que será que Beth está fazendo agora? Acho até que posso responder a minha própria questão. Então por que a fiz? Posso tê-la feito inutilmente! Todo esse palavrório pode não ser necessário. Até pelo fato de que como diz uma outra frase, os alckimistas estão chegando, estão chegando os alckimistas. Puta frase inteligente! E o texto nada! Te cuida, fruto-do-mar!

Levanto, ando, fumo cigarro, coço meu saco, bico um sapato, fico de lado, olho um retrato, coço meu saco, apago o cigarro, ligo o rádio, subo num estrado, me canso, não caio, balaio de gato, estico no prato, esquento o barato! Ih!!! Acho que fiquei resfriado! E o texto não sai!

Tenho que escrever esse raio de conto ainda hoje. Nem que eu tenha que vender minha alma ao diabo. Esse texto sai-sim-sinhô! Mas olha essa frase: nem só de pão o homem pobre viverá, mas também da mortadela barata e do café fraco!!!! Essa frase é blasfêmia, dirão os religiosos. Um despautério herético da parte de um sujeito absorto pelo pecado! Será que eu escrevo conto ou

poesia?
um nó desatado
no exato instante
no melhor dos ângulos

frase: comunicação averbal

dói? dói?
foda-se tua dor
também dói em mim
a tua dor
fodam-se todos nós

poesia ou

Conto. Ainda não está decidido o que escrever. Mas quando exatamente se toma tal decisão? Escrever é tomada de decisão ou decisão não tomada? Apenas a representação de todo e qualquer ato, estado ou sentido que seja. E por que eu devo escrever? Se há razão, por que não me deixam encontrá-la sozinho. Pois aí eu a destruo; e os homens morrerão de frio, porque Prometeu já foi derrotado. E Sócrates era só um amigo imaginário utópico de Platão.

Acaba aqui e vou ficar sem escrever nada mesmo.

quarta-feira, abril 05, 2006

A nuvem

A nuvem

Há pouco tempo tive uma revelação,
fala baixinha,
no fundo sem fundo do ouvido,
tão baixinha
que custa a acreditar que é verdade.

Nem sequer foi a esperança,
que venta fraca
e quase não balança
os fios embolados
do meu cabelo.

Desconfiei,
mas logo percebi
que não se tratava da voz grave
da revolução,
ah, isso também não.

Calei tudo quanto podia,
porque havia me parecido ser o canto
das ninfas,
meu convite
ao prazer eterno... mas...

E eu, na cegueira surda
de não saber o gosto,
me fiz fascinação.
Cada momento
de vida
se redigia
nos versos mais belos,
nas estrofes mais ou menos tortas
da falta de hábito,
nas coletâneas de noites

de amores sem cores
e
ódios sem dores
e
campos sem flores.

Algo se evaporou
em direção ao céu
onde nada se distingue,
nem mesmo as coisas sólidas,
porque não as alcançamos.

Fiquei preso ao solo sem poder voar como queria.

Vez em quando
eu
me arrisco a olhar o céu,
e lá está ela,
a nuvem,
que se desloca e transforma me entorta a cabeça e se vai.

De cores e formas,
variadas,
gotículas esparsas
me pingam na testa,
escorrem pelos olhos,
saciam a sede,
agravam o desejo

e caem no chão.

Há pouco tempo tive uma revelação, só me resta saber...